- A VACA E O HIPOGRIFO -
OS ELEFANTES
– Os elefantes deveriam ser assinzinhos –
diz Lili. Tomo nota, não pela ideia, que já deve ter ocorrido utilitariamente a
muitos, mas pelo “assinzinhos”.
E, na falta de um elefante doméstico, peço
a ela que me traga um copo d’água.
Só os novelistas ianques e os seus
personagens é que tomam uísque a cada página. Mas, por outro lado, não têm quem
lhos traga. Eles próprios se servem.
COMPENSAÇÃO
E quando o trem passa por esses ranchinhos
à beira da estrada, a gente pensa que é ali que mora a felicidade.
AS TRÊS MARIAS
As únicas estrelas que eu conheço no céu
são as Três Marias. Três Marias é um apelido de família... O nome delas é
outro, sabem como é a coisa: um desses nomes roubados a mitologias ultrapassadas,
com que costumam exorcizar as estrelas. Uns nomes que já nasceram póstumos...
Só o que eles sabem é enumerar, mapear,
coisas assim – trabalho apenas digno de robôs.
Olhem, Marias, acheguem-se, escutem: –
Vocês foram catalogadas. Ouviram bem? Ca-ta-lo-ga-das ! O consolo é o povo, que
ainda diz ignorantemente: “Olha lá as Três Marias!”
GRAMÁTICA DA FELICIDADE
Vivemos conjugando o tempo passado
(saudade, para os românticos) e o tempo futuro (esperança, para os idealistas).
Uma gangorra, como vês, cheia de altos e baixos – uma gangorra emocional. Isto
acaba fundindo a cuca de poetas e sábios e maluquecendo de vez o homo sapiens.
Mais felizes os animais, que, na sua gramática imediata, apenas lhes sobra um
tempo: o presente do indicativo. E que nem dá tempo para suspiros...
DA VERDADEIRA POSSESSÃO DIABÓLICA
Ele não é propriamente o Espírito do Mal. O
mal, tu bem sabes que já tem sido praticado, ao correr da História, com os mais
sagrados desígnios. E o que assinala e caracteriza os servos do Diabo, neste
nosso inquieto mundo, não é especificamente a maldade: é a indiferença.
A CHAVE
Os
nunca assaz finados parnasianos tinham, antes de mais nada, a chave de ouro.
Como o resto do soneto era tapado como uma porta – por que não mostravam apenas
o raio da chave? Não estou brincando. Pois nos meus tempos de ginasiano eu também
fabriquei a minha chavezinha de ouro:
“... de uns verdes buritis a cismadora
tribo”.
Confesso que não consegui colocar nada
antes deste verso. Hoje acho que não seria preciso, que ali já estava todo um
poema...
Em todo caso, cedo em cartório a chave aos
últimos sonetistas alexandrinos, a quem muito venero, pois no caos de hoje em
dia eles têm consciência de que, para fazer um poema, é preciso trabalhar como
um escravo. Com a única recompensa do trabalho feito. Vamos, minha gente?
Faltam apenas 13 versos.
ANOTAÇÃO PARA UM POEMA
As mãos que dizem adeus são pássaros
Que vão morrendo lentamente.
CONFESSIONAL
Eu fui um menino por trás de uma vidraça –
um menino de aquário.
Via o mundo passar como numa tela
cinematográfica, mas que repetia sempre as mesmas cenas, as mesmas personagens.
Tudo tão chato que o desenrolar da rua
acabava me parecendo apenas em preto e branco, como nos filmes daquele tempo.
O colorido todo se refugiava, então, nas
ilustrações dos meus livros de histórias, com seus reis hieráticos e belos como
os das cartas de jogar.
E suas filhas nas torres altas –
inacessíveis princesas.
Com seus cavalos – uns verdadeiros
príncipes na elegância e na riqueza dos jaezes.
Seus bravos pagens (eu queria ser um
deles...)
Porém, sobrevivi...
E aqui, do lado de fora, neste mundo em
que vivo, como tudo é diferente! Tudo, ó
menino do aquário, é muito diferente do teu sonho...
(Só os cavalos conservam a natural
nobreza.)
BILO-BILO
O idiota estilo bilo-bilo com que os
adultos se dirigem às crianças, isso deve chateá-las enormemente, como a um
poeta quando abordado com assuntos “poéticos”.
* * *
(“A Vaca e o
Hipogrifo”, L&PM Editora, 3ª Edição, Editora Garatuja, Porto Alegre, 1979)
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