- A COR DO INVISÍVEL -
O PACIENTE
DISTRAÍDO
Os
óculos do Doutor têm janelinhas:
Pode-se
ver o céu azul por elas,
Pode-se
ver, por acaso, até mesmo um avião
– ou o susto de um disco voador.
AS AEROMOÇAS
Aeromoças...
Não!
Devem
ser aero-anjos...
Pois não nos atendem em pleno Céu?!
HAI-KAI DA
ÚLTIMA DESPEDIDA
E
os dois trocaram um beijo
–
frio
como um beijo de esqueletos...
SERENIDADE
Um
gato adormecido...
Uma
criança adormecida...
As
mãos de um morto
antes que as cruzem sobre o peito...
CECÍLIA
O
nome de Cecília,
lá
no Céu
era,
mesmo,
Cecília...
VERÃO
Quando
os sapatos ringem
– quem diria?
São os teus pés que estão cantando!
POEMA LOUCO
DE DESESPERO
Em
cada nuvem pus um coreto de música
Mandei
soltar confete pelo céu azul
E
deitado no meio da praça deserta
Cobri meu rosto com o teu lenço de seda escura!
O POETA
Venho
do fundo das Eras,
Quando
o mundo mal nascia...
Sou
tão antigo e tão novo
Como a luz de cada dia!
DIÁLOGO
–
Que fazia Deus antes da Criação?
–
Dormia.
–
E depois?
–
Continuou a dormir.
–
Mas Ele não tem de cuidar do mundo?
–
Ele está é sonhando o mundo: está sonhando
até nós dois aqui conversando...
–
Cruzes! Cala-te!
– Fala mais baixo...
BRASÃO DE
ARMAS
... muro cinza estriado a relâmpago de ouro...
O SILÊNCIO
O
mundo, às vezes, fica-me tão insignificativo
Como
um filme que houvesse perdido de repente o som.
Vejo
homens, mulheres: peixes abrindo e fechando a boca
[num
aquário
Ou
multidões: macacos pula-pulando nas arquibancadas dos
[estádios...
Mas
o mais triste é essa tristeza toda colorida dos carnavais
Como
a maquilagem das velhas prostitutas fazendo trottoir.
Às
vezes eu penso que já fui um dia um rei, imóvel no seu
[palanque,
Obrigado
a ficar olhando
Intermináveis
desfiles, torneios, procissões, tudo isso...
Oh!
decididamente o meu reino não é deste mundo!
Nem do outro...
ELA E EU
A
minha loucura está escondida de medo embaixo da minha
[cama
Ou
dançando em cima do meu telhado
E
eu estou sentado serenamente na minha poltrona
Escrevendo este poema sobre ela.
O TÚNEL
Às
vezes
O
longo túnel do sono é iluminado, apenas,
pelos olhos verdes dos fantasmas...
BUCÓLICA
A
moça, recostada à porteira, olhava os longes...
A
vaquinha Cambraia mugia.
O
cachorro Piloto ladrava.
O
vento inventava verbos no infinito:
Partir...
andar... correr... fugir... voar... voar!
A
vaquinha mugia...
O
cachorro ladrava...
O vento fazia cosquinhas nas regiões poplíteas da
moça.
ÀS VEZES
TUDO SE ILUMINA
Às
vezes tudo se ilumina de uma intensa irrealidade
E
é como se agora este pobre, este único, este efêmero
[instante do mundo
Estivesse pintado numa tela, sempre...
* * *
(“A Cor do Invisível”, 2ª Edição, Editora Globo, SP,
1994)
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