- CADERNO H -
ARS LONGA
Um
poema só termina por acidente de publicação ou de morte do autor.
CONTRADIÇÕES?
... mas o que eles não sabem levar em
conta é que o poeta é uma criatura essencialmente dramática, isto é,
contraditória, isto é, verdadeira.
E por isso é que o bom de escrever teatro
é que se pode dizer, com toda a sinceridade, as coisas mais opostas.
Sim, um autor que nunca se contradiz deve
estar mentindo.
PLACAS
Ah, meu pobre Coronel Emerenciano, quem
sois vós? Quem sois vós, Dona Maurília, Fernando Ivo? Altamirando Barbosa da
Silva? Quem sois vós, com todos esses inúteis cartões de visita deixados
teimosamente em cada esquina? Que vergonha, velhinhos... Essa coisa de a gente
virar rua é uma forma pública de anonimato.
ESSA NÃO!
Lili teve conhecimento dos antípodas, na
escola. Logo que chegou em casa, começou a deitar sabença pra cima da
cozinheira. Falou, falou, e, como visse que Sia Hortênsia não estava manjando
nada, ergueu no ar o dedinho explicativo:
– Imagine só que quando aqui é meio-dia lá
na China é meia-noite!
– Credo! Eu é que não morava numa terra
assim...
– Mas
por que, Sia Hortênsia?
– Uma terra onde o dia é de noite...
Cruzes!
DAS FRASES HISTÓRICAS
Desconfio que essas frases históricas foram
inventadas pelos historiadores, pois como poderiam os grandes homens ter tido,
todos eles, aquele mesmo estilo de dramalhão?
O ANTI-HAMLET
O que nos atrai no 007 é que ele é o tipo
do herói anti-shakespeariano. Nada de casos de consciência. Não é como esse
pobre príncipe Hamlet que, para cometer meia dúzia de crimes, passa todo o
tempo falando sozinho...
MÁGICA DIVINA
O cristianismo acabou com o sofrimento
transformando o sofrimento em prazer, como o atesta a alegre legião dos
mártires e essa gente que, a cada golpe, exclama: “Seja o que Deus quiser!”
POESIA & LENÇO
E essas que enxugam as lágrimas em nossos
poemas com defluxos em lenços... Oh! tenham paciência, velhinhas... A poesia
não é uma coisa idiota: a poesia é uma coisa louca!
DONA GLORINHA NO CIRCO
Dona Glorinha estava que não podia! Aquele
homem que rodava no espaço, cada vez mais rápido, e preso apenas pelos dentes a
uma roldana... Dona Glorinha sentia doerem-lhe os dentes, não os de agora, os
outros... Dona Glorinha não pôde mais. E bradou, em meio do suspense geral: “Basta,
cruel!”
“A POESIA É NECESSÁRIA”
Título de uma antiga seção do velho Braga
na Manchete. Pois eu vou mais longe ainda do que ele. Eu acho que todos
deveriam fazer versos. Ainda que saiam maus, não tem importância. É preferível,
para a alma humana, fazer maus versos a não fazer nenhum. O exercício da arte
poética representaria, no caso, como que um esforço de auto-superação.
É fato consabido que esse refinamento do estilo
acaba trazendo necessariamente o refinamento de alma.
Sim, todos
devem fazer versos. Contanto que não venham mostrar-me.
NABUCODONOSOR
O nome de
Nabucodonosor é belo como um cortejo religioso. O triste é que os seus súditos,
para abreviar, chamavam-nos simplesmente Bubu.
* * *
“Caderno H” – Editora Globo, 2ª Edição, Porto Alegre,
1977
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