- ANTOLOGIA POÉTICA -
Canção da Aia Para o Filho do Rei
Mandei pregar as estrelas
Para velarem teu sono.
Teus suspiros são barquinhos
Que me levam para longe...
Me perdi no céu azul
E tu, dormindo, sorrias.
Despetalei uma estrela
Para ver se me querias...
Aonde irão os barquinhos?
Com que será que tu sonhas!
Os remos mal batem nágua...
Minhas mãos dormem na sombra.
A quem que será que sorris?
Dorme quieto, meu reizinho.
Há dragões na noite imensa,
Há emboscadas nos caminhos...
Despetalei as estrelas,
Apaguei as luzes todas.
Só o luar te banha o rosto
E tu sorris no teu sonho.
Ergues o braço nuzinho,
Quase me tocas... A medo
Eu começo a acariciar-te
Com a sombra dos meus dedos...
Dorme quieto, meu reizinho.
Os dragões, com a boca enorme,
Estão comendo os sapatos
Dos
meninos que não dormem...
Canção do Dia de Sempre
Para Norah Lawson
Tão bom viver dia a dia...
A
vida, assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como
essas nuvens do céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência...
esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa
à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre
é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo
vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas
tuas mãos distraídas...
Segunda Canção de Muito Longe
Havia um corredor que fazia cotovelo:
Um
mistério encanando com outro mistério no escuro...
Mas vamos fechar os olhos
E
pensar numa outra cousa...
Vamos ouvir o ruído cantado, o ruído
arrastado das
[correntes no algibe,
Puxando a água fresca e profunda.
Havia no arco do algibe trepadeiras trêmulas.
Nós nos debruçávamos à borda, gritando os
nomes
[uns dos outros,
E lá dentro as palavras ressoavam fortes,
cavernosas como
[vozes de leões.
Nós éramos quatro, uma prima, dois negrinhos
e eu.
Havia os azulejos reluzentes, o muro do
quintal, que
[limitava
o mundo,
Uma paineira enorme e, sempre e cada vez
mais, os grilos
[e as estrelas...
Havia todos os ruídos, todas as vozes
daqueles tempos...
As lindas e absurdas cantigas, tia Tula
ralhando os cachorros,
O chiar das chaleiras...
Onde andará agora o pince-nez da tia Tula
Que ela não achava nunca?
A pobre não chegou a terminar a Toutinegra do
Moinho,
Que saía em folhetim no Correio do Povo!...
A última vez que a vi, ela ia dobrando aquele
corredor
[escuro.
Ia encolhida, pequenininha, humilde. Seus
passos não
[faziam
ruído.
E ela
nem se voltou para trás!
Canção dos Romances Perdidos
Oh! o silêncio das salas de espera
Onde
esses pobres guarda-chuvas lentamente escorrem...
O silêncio das salas de espera
E
aquela última estrela...
Aquela última estrela
Que bale, bale, bale,
Perdida
na enchente da luz...
Aquela última estrela
E, na parede, esses quadrados lívidos,
De
onde fugiram os retratos...
De
onde fugiram todos os retratos...
E esta minha ternura,
Meu Deus,
Oh!
toda esta minha ternura inútil, desaproveitada!...
Canção Para Uma Valsa Lenta
Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De
surpresa... de encanto... de medo...
Minha vida não foi um romance,
Minha vida passou por passar.
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando
um amor para amar.
Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches a vida
De
surpresa, de encanto, de medo!
Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um
sorriso... de um gesto... um olhar...
Canção de Barco e de Olvido
Para Augusto Meyer
Não quero a negra desnuda.
Não quero o baú do morto.
Eu quero o mapa das nuvens
E um
barco bem vagaroso.
Ai esquinas esquecidas...
Ai lampiões de fins-de-linha...
Quem me abana das antigas
Janelas
de guilhotina?
Que eu vou passando e passando,
Como em busca de outros ares...
Sempre de barco passando,
Cantando
os meus quintanares...
No mesmo instante olvidando
Tudo o de que te lembrares.
* * *
“Antologia
Poética” - Seleção e Apresentação de Walmir Ayala – 3ª edição, Ediouro S. A. /
Rio de Janeiro, 1995
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