- DIÁRIO POÉTICO '87 -
Preferências
(1
de fevereiro - Dom)
Meninos, amem os
cães,
E gatos, as
menininhas.
E esses gatos que
elas amam
São os gatos das
gatinhas.
Festa de Nossa Senhora dos Navegantes
(2 de fevereiro - Seg)
Uma, a Rainha do
Céu,
Outra, a Rainha
das Águas,
Nas águas mansas
do rio
Vão levando as
nossas mágoas...
**********
(3 de fevereiro - Ter)
O vento gosta é
de cantar...
Quem me faz uma
letra para a canção do vento?
**********
(4 de fevereiro - Qua)
E o que mais
enfurece o vento são esses poetas inveterados que o fazem rimar com “lamento”.
Interrogações
(5 de fevereiro - Qui)
Nenhuma pergunta
demanda resposta.
Cada verso é uma
pergunta do poeta.
E as estrelas...
as flores... o mundo
São perguntas de
Deus.
(6 de fevereiro - Sex)
Senhor, que
buscas Tu pescar com a rede das estrelas?
Responsabilidade
(7 e 8 de fevereiro - Sab/Dom)
Nós somos
gestantes da alma... Cuidado!
É preciso muito,
muito cuidado
Para que a alma
possa nascer normal em outra vida.
Autobiografia
(9 de fevereiro - Seg)
Entre o olhar
suspeitoso da tia
E o olhar
confiante do cão
O menino
inventava a poesia...
Meticulosidade
(10 de fevereiro - Ter)
Os velhos, quanto
mais velhos, mais vírgulas usam.
*****
(11 de fevereiro - Qua)
Vagas notas
esparsas... Leitores há que gostam disso. E até desconfio que, para alguns
desses leitores de que tanto gosto, os livros deveriam ser compostos apenas de
entrelinhas...
Orquestra
(12 de fevereiro - Qui)
Há poetas que
fazem música de câmera: Verlaine, Laforgue, para apenas citar gente minha.
Victor Hugo era outra coisa... Victor Hugo era o General da Banda!
As nuvens e os sonhos
(13 de fevereiro - Sex)
Ah, essas
esculturas de gaze do vento, sempre errantes entre o Céu e a Terra... como os
sonhos dos homens.
As velhas anedotas
(14 e 15 de fevereiro - Sab/Dom)
O grande consolo
das velhas anedotas são os recém nascidos...
Três
coisas
(16
de fevereiro – Seg)
Todas as antigas
civilizações, por mais afastadas umas das outras, no tempo e no espaço – sempre
começaram descobrindo três coisas: a poesia, a bebida e a religião.
Sangue
e areia
(17
de fevereiro – Ter)
O mais revoltante
nas touradas é que os touros não são aplaudidos quando saem vencedores.
Do
manual do perfeito cavalheiro
(18
de fevereiro – Qua)
Cuidado! Deves tocar
a campainha tão suavemente como se apertasses o umbigo da dona da casa.
Hein?
(19
de fevereiro – Qui)
Quando um acidentado
acorda, perplexo, no Outro Mundo, e indaga dos Anjos que horas são, muito mais
perplexos ficam os Anjos.
Mau
Humor
(20
de fevereiro – Sex)
Quem mete uma
bala na cabeça retira-se da vida batendo com a porta.
A
noite misteriosa
(21
e 22 de fevereiro – Sab/Dom)
A noite é uma
enorme Esfinge de granito negro, lá fora...
Passeio
(23
de fevereiro – Seg)
Oh! Não há nada
como um pé depois do outro...
O
visitante matinal
(24
de fevereiro – Ter)
Para que nomes?
Era azul e voava...
O
visitante noturno
(25
de fevereiro – Qua)
Aparecia sempre
nos pesadelos: o seu silêncio era aterrorizante!
Hai-kai
da cozinheira
(26
de fevereiro – Qui)
A cozinheira
preta preta
Preta e gorda
Com seu claro
sorriso de lua...
Fogão
(27
de fevereiro – Sex)
Cada brasa
palpita como um coração.
Por
quê
(28
de fevereiro – Sab)
Até agora ninguém
explicou porque Fevereiro – o mais curto dos meses – sempre nos parece que
custou tanto a passar...
* * *
Diário Poético 87
/ Mario Quintana – Porto Alegre; Rio de Janeiro: Globo, 1986
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