NARIZ DE VIDRO
O DIA ABRIU SEU
PÁRA-SOL BORDADO
O dia abriu seu
pára-sol bordado
De nuvens e de verde
ramaria.
E estava até um fumo,
que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te
desenhado.
Depois surgiu, no céu
azul arqueado,
A Lua – a Lua! – em pleno
meio-dia.
Na rua, um menininho
que seguia
Parou,
ficou a olhá-la admirado...
Pus meus sapatos na
janela alta,
Sobre o rebordo... Céu
é que lhes falta
Pra
suportarem a existência rude!
E eles sonham,
imóveis, deslumbrados,
Que são dois velhos barcos,
encalhados
Sobre
a margem tranqüila de um açude...
Para Érico Veríssimo
NA OUTRA MARGEM
Na outra margem do Ano
Novo
Me sacudo todo como um
cão molhado.
De lado a lado da rua
Há um grande cartaz em
letra vermelha
Anunciando: FELIZ ANO
NOVO!
O povo acredita
O povo ri de orelha a
orelha.
Meu Deus, até parece
que já está degolado!
Se está, nem
acredita... E
Durante todo o santo
dia
Do Primeiro do Ano
O
povo todo dança no meio da rua
Cantando
a canção da eterna esperança!
A NOITE GRANDE
Sem o coaxar dos sapos
ou o cricri dos grilos
como é que poderíamos
dormir tranqüilos
a nossa eternidade?
Imagina
uma noite sem o
palpitar das estrelas
sem o fluir misterioso
das águas.
Não digo que a gente
saiba que são águas
estrelas
grilos...
– morrer é
simplesmente esquecer as palavras.
E conhecermos Deus,
talvez,
sem
o terror da palavra DEUS!
O PEREGRINO
MALCONTENTE
Íamos de caminhada. O
santo e eu.
Naquele tempo
dizia-se: íamos de longada...
E isso explicava tudo,
porque longa, longa era a viagem...
Íamos, pois, o santo,
eu, e outros.
Ele era um santo tão
fútil que vivia fazendo milagres.
Eu, nada...
Ele ressuscitou uma
flor murcha e uma criança recém-morta
e transformou uma
pedra, na beira da estrada,
em flor-de-lótus,
(por que
flor-de-lótus?)
até que um dia
chegamos ao fim da peregrinação.
Deus, então, resolveu
mostrar que também sabia fazer milagres:
O santo desapareceu!
Mas como? Não sei!
desapareceu, bem ali, diante dos nossos olhos que a terra já comeu!
E nós nos prostramos
por terra e adoramos ao Senhor Deus Todo-Poderoso
e
foi-nos concedida a vida eterna... Deus é assim.
SEISCENTOS E SESSENTA
E SEIS
A vida é uns deveres
que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6
horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª
feira...
Quando se vê, passaram
60 anos...
Agora, é tarde demais
para ser reprovado...
E se me dessem – um dia
– uma outra oportunidade,
eu nem olhava o
relógio
seguia
sempre, sempre em frente...
E
iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
TÃO SIMPLESMENTE
Tudo se fazia tão
simplesmente:
as chinoquinhas
pintavam as faces
com papel de seda vermelho,
os negrinhos tocavam
pente
com papel de seda
branco,
as mocinhas da casa
punham papelotes
antes de irem
dormir...
e aplicava-se a
Maravilha Curativa
para todas as dores
– menos para as dores
de amores,
que
já eram as mesmas de sempre!
*
* *
(“Nariz
de Vidro” – Editora Moderna, 1984)
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