- DIÁRIO POÉTICO '87 -
ESPERANÇA
Lá bem no alto do
décimo-segundo andar do Ano
Vive uma louca
chamada Esperança
E ela pensa que
quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os
reco-recos tocarem
– Ó delicioso
vôo!
Ela será
encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez
criança...
E em torno dela
indagará o povo:
– Como é o teu
nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso
dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem
devagarinho, para que não esqueçam nunca:
–
O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
Vida
Nova
(1 de janeiro - Qui)
Em
cada Dia Primeiro do Ano o céu é cuidadosamente pintado de azul.
O
adolescente
(2 de janeiro - Sex)
Adolescente,
olha! A vida é bela!
A vida é bela...
e anda nua...
Vestida
apenas com o teu desejo.
A
adolescente
(3 e 4 de
janeiro - Sab/Dom)
Arvorezinha
crescendo...
crescendo...
crescendo...
Até
brotarem dois pomos!
Viver
(5 de janeiro - Seg)
Vale
a pena viver – nem que seja para dizer que não vale a pena...
Dia
de Reis
(6 de janeiro - Ter)
Neste
dia dos Reis Magos, era o próprio Menino Jesus que distribuía antigamente os
presentes de Natal. Depois é que chegou esse intrometido, o Papai Noel... Nem é
bom falar!
Trova
(7 de janeiro - Qua)
Uma estrela –
Deus a guie!
Lá do céu se
despencou:
Era o amor que tu
me tinhas
Que
decerto se acabou...
Da
inútil sabedoria
(8 de janeiro - Qui)
“Conhece-te a ti
mesmo.” Dessa, agora,
O alcance não
adivinho.
Muito mais útil
nos fora
Conhecer
nosso vizinho...
Trova
(9 de janeiro - Sex)
Até cantando se
nota
Como é a vida
inconstante:
As rimas são duas
mãos
Unidas
um só instante...
Trova
(10 e 11 de
janeiro - Sab/Dom)
Brotando por
entre as fráguas
E abrindo,
frágil, incerto,
O verso é sempre
um milagre:
Pura
rosa do deserto!
Trova
à maneira gaúcha
(12 de janeiro - Seg)
Quero-quero
quando voa
Mostra o desenho
das penas.
No mundo não há feitiço
Como
o riso das morenas...
Trova
à maneira gaúcha
(13 de janeiro - Ter)
De garrucha e
polvarinha
O tatu subiu a
Serra.
Meninas da minha
terra,
Qual
de vós há de ser minha?
Trova
à maneira gaúcha
(14 de janeiro - Qua)
Lá se vai o sol
deitando
Por detrás
daquele morro.
Quero saber o teu
nome
Pra
botar no meu cachorro.
Gostosuras
(15 de janeiro - Qui)
Tua saudade tem
gosto de amora.
O
teu beijo tem gosto de pitanga.
Já
não posso morrer jovem
(16 de janeiro - Sex)
Já não posso
morrer jovem...
É o meu destino
infeliz!
Como é que vou excusar-me
De
tudo quanto não fiz?
Lembranças
(17 e 18 de
janeiro - Sab/Dom)
Lembranças que
naufragaram
E que voltam num
segundo...
São como navios
fantasmas
Surgindo
do mar profundo!
Deixaram-te...
(19 de janeiro - Seg)
Deixaram-te por
outro... E te arrelias
Contra esse
antigo, feminil defeito.
Outro refrão,
porém, me cantarias
Se
ela enganasse a alguém em teu proveito...
Os
grilos
(20 de janeiro - Ter)
Eles cantam a
noite inteira!
Não sabias?
Os
grilos são os poetas mortos...
O
poeta
(21 de janeiro - Qua)
Venho do fundo
das eras,
Quando o mundo
mal nascia:
Sou tão antigo e
tão novo
Como
a luz de cada dia...
Lances
de xadrez
(22 de janeiro - Qui)
Xeques que a vida
nos dá...
Lances terríveis
e belos...
Perdi as pedras
mais raras...
Só
não perdi meus castelos!
As
rezas esquecidas
(23 de janeiro - Sex)
Rezas da
infância, tão puras...
Depois a gente as
esquece!
Mas o bom Deus,
lá no Céu,
Ainda
escuta a nossa prece...
Dia
do Carteiro
(24 e 25 de
janeiro - Sab/Dom)
Se boas notícias
traz,
Todo o mundo o
abençoa.
Mas nem o Diabo o
perdoa,
Quando
as notícias são más...
Trova
(26 de janeiro - Seg)
Três amores...
Quem me deu
Tão estranha
sorte assim?
Três amores,
tenho-os eu
E
nenhum me tem a mim!
Trova
(27 de janeiro - Ter)
O canteiro do teu
peito
Plantei-o todo
com a mão...
Sementes de
amor-perfeito...
Só
Deus sabe o que darão!
Penas
de amor
(28 de janeiro - Qua)
É só por teu
egoísmo impenitente
Que o sentimento
se transforma em dor.
O que julgas,
assim, penas de amor,
São
penas de amor-próprio, simplesmente...
Confidências
(29 de janeiro - Qui)
Quiseste expor
teu coração a nu.
E assim, ouvi-lhe
todo o amoroso enleio.
Ah, pobre amigo,
nunca saibas tu
Como
é ridículo o amor... alheio!
Dia
da Saudade
(30 de janeiro - Sex)
O
tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo...
Dia
dos Direitos Humanos
(31 de janeiro - Sab)
No
fundo, os direitos humanos se resumem num só: o direito de viver e... deixar os
outros viverem!
*
* *
Diário Poético 87
/ Mario Quintana – Porto Alegre; Rio de Janeiro: Globo, 1986
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