As belas, as
perfeitas máscaras
As belas, as perfeitas
máscaras de perfil severo
Que a morte, no
silêncio, esculpe,
Encheram-se de
uma estranha claridade...
Que anjos tocam,
através do mundo e das estrelas,
Através dos
sensíveis rumores,
O canto grave dos
violoncelos profundos?
Alma perdida,
vagabunda, Messalina sonâmbula,
[insaciada...
Que procuras na
noite morta, Alma transviada,
Com tuas mãos
vazias e tristes?
Cantam os
violoncelos... A noite sobe como um
[balão...
Meus olhos vão
ficando cada vez mais lúcidos...
Soluçam os
violoncelos... Ah,
Como é gelado o
teu lábio,
Pura
estrela da manhã!
A noite
A noite é uma
enorme Esfinge de granito negro
Lá fora.
Eu acendo a minha
lâmpada de cabeceira.
Estou lendo
Sherlock Holmes.
Mas, nos ventres,
há fetos pensativos
[desenvolvendo-se...
E há cabelos que
estão crescendo, lentamente,
[por debaixo da terra,
Junto com as raízes
úmidas...
E há cânceres...
cânceres... distendendo-se como
[longos dedos.
Impossível, meu
caro doutor Watson, seguir o fio
[desta sua confusa e deliciosa história.
A noite amassa
pavor nas entrelinhas.
E um grude espesso,
obscuro...
Vontade de gritar
claros nomes serenos
PALLAS NAUSICAA
ATHENA Ai, mas os deuses se foram...
Só tu aí
ficaste...
Só tu, do fundo
da noite imensa, a agonizares
[eternamente na tua cruz!...
Os caminhos estão
cheios de tentações
Os caminhos estão
cheios de tentações.
Os nossos pés
arrastam-se na areia lúbrica...
Oh! tomemos os
barcos das nuvens!
Enfunemos as velas
dos ventos!
Os nossos lábios tensos
incomodam-nos como
[estranhas mordaças.
Vamos! vamos lançar
no espaço – alto, cada vez
mais alto! – a rede das estrelas...
Mas vem da terra,
sobe da terra, insistente, pesado,
Um cheiro quente
de cabelos...
A Esfinge mia
como uma gata.
E o seu grito
agudo agita a insônia dos adolescentes
[pálidos.
O sono febril das
virgens nos seus leitos.
De que nos serve
agora o Cristo do Corcovado?!
Há um longo, um
arquejante frêmito nas palmeiras,
[em torno...
A Noite negra, demoradamente,
Aperta
o mundo entre os seus joelhos.
Ao longo das
janelas mortas
Ao longo das
janelas mortas
Meu passo bate as
calçadas.
Que estranho
bate!... Será
Que a minha perna
é de pau?
Ah, que esta vida
é automática!
Estou exausto da
gravitação dos astros!
Vou dar um tiro
neste poema horrível!
Vou apitar
chamando os guardas, os anjos, Nosso Senhor,
[as prostitutas, os mortos!
Venham ver a
minha degradação,
A minha
insaciável de não sei o quê,
As minhas rugas.
Tombai, estrelas
de conta,
Lua falsa de papelão,
Manto bordado do
céu!
Tombai, cobri com
a santa inutilidade vossa
Esta
carcaça miserável de sonho...
Momento
E, de repente,
Todas as coisas
imóveis se desenharam mais nítidas
[no silêncio.
As pálpebras
estavam fechadas.
Os cabelos
pendidos.
E os anjos do
Senhor traçavam cruzes sobre as
[portas.
No silêncio
terrível
No silêncio
terrível do Cosmos
Há de ficar uma
última lâmpada acesa.
Mas tão baça
Tão pobre
Que eu
procurarei, às cegas, por entre os papéis
[revoltos,
Pelo fundo dos
armários,
Pelo assoalho,
onde estarão fugindo imundas
[ratazanas,
O pequeno
crucifixo de prata
– O pequenino, o
milagroso crucifixo de prata que
[tu me deste um dia
Preso a uma fita
preta.
E por ele os meus
lábios convulsos chorarão
Viciosos do
divino contato da prata fria...
Da prata clara,
silenciosa, divinamente fria – morta!
E
então a derradeira luz se apagará de todo...
Bar
No mármore da
mesa escrevo
Letras que não
formam nome algum.
O meu caixão será
de mogno,
Os grilos
cantarão na treva...
Fora, na grama
fria, devem estar brilhando as gotas
[pequeninas do orvalho.
Há, sobre a mesa,
um reflexo triste e vão
Que é o mesmo que
vem dos óculos e das carecas.
Há um retrato do
Marechal Deodoro proclamando a
[República.
E de tudo irradia,
grave, uma obscura, uma lenta
[música...
Ah, meus pobres
botões! eu bem quisera traduzir,
[para vós, uns dois ou três compassos do
Universo!...
Infelizmente não
sei tocar violoncelo...
A vida é muito
curta, mesmo...
E
as estrelas não formam nenhum nome.
Cântico
O vento verga as
árvores, o vento clamoroso da
[aurora...
Tu vens precedida
pelos vôos altos,
Pela marcha lenta
das nuvens.
Tu vens do mar,
comandando as frotas do
[Descobrimento!
Minh’alma é
trêmula da revoada dos Arcanjos.
Eu escancaro amplamente
as janelas.
Tu vens montada no
claro touro da aurora.
Os
clarins de ouro dos teus cabelos cantam na luz!
*
* *
(O
Aprendiz de Feiticeiro, Editora Globo, SP, 2008, 5ª reimpressão)
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