CANÇÃO DE VIDRO
E nada vibrou...
Não se ouviu nada...
Nada...
Mas o cristal nunca mais deu o
mesmo som.
Cala, amigo...
Cuidado, amiga...
Uma palavra só
Pode tudo perder para sempre...
E é tão puro o silêncio agora!
CANÇÃO DE MUITO LONGE
Foi-por-cau-sa-do-bar-quei-ro
E todas as noites, sob o velho céu arqueado de bugigangas,
A mesma canção jubilosa se
erguia.
A canoooavirou
Quemfez elavirar? uma voz
perguntava.
Os luares extáticos...
A noite parada...
Foi por causa do barqueiro
que não soube remar.
O PRISIONEIRO
Os muros móveis do vento
Compõem minha casa-barco.
Quem foi que me prendeu por dentro
De uma gota dágua?
Tolice matar-se a gente
Só por isso...
Nem mesmo Ele, o Grande Mágico,
Foge ao seu próprio feitiço!
ENTRE-SONO
A manhã se debruça ao peitoril,
Não sei por que está gritando: abril, abril!
Há, por vezes, manhãs que são sempre de abril...
A manhã, com todas as suas árvores ao vento,
Traz-me as primeiras notícias da frota do Descobrimento,
Sem reparar na presença dos arranha-céus.
Mas eu nem abro os olhos: vou dormir...
Creio que ainda chegarei a tempo
Para a Primeira Missa no Brasil.
CANÇÃO DA PRIMAVERA
Para Érico Veríssimo
Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.
Catavento enlouqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.
Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos,
Dancemos todos até
Não mais saber-se o motivo...
Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!
CANÇÃO DE DOMINGO
Que dança que não se dança?
Que trança não se destrança?
O grito que voou mais alto
Foi um grito de criança.
Que canto que não se canta?
Que reza que não se diz?
Quem ganhou maior esmola
Foi o Mendigo Aprendiz.
O céu estava na rua?
A rua estava no céu?
Mas o olhar mais azul
Foi só ela quem me deu!
CANÇÃO DO MEIO DO MUNDO
Para Lino de Mello e Silva
A ciranda rodava no meio do mundo,
No meio do mundo a ciranda
rodava.
E quando a ciranda parava um segundo
Um grilo, sozinho no mundo,
cantava...
Dali a três quadras o mundo acabava,
Dali a três quadras, num valo
profundo...
Bem junto com a rua o mundo acabava.
Rodava a ciranda no meio do
mundo...
E Nosso Senhor era ali que morava,
Por trás das estrelas, cuidando o
seu mundo...
E quando a ciranda por fim terminava
E o silêncio, em tudo, era mais
profundo,
Nosso Senhor esperava... esperava...
Cofiando as suas barbas de Pedro
Segundo.
NOTURNO
Este silêncio é feito de agonias
E de luas enormes, irreais,
Dessas que espiam pelas gradarias
Nos longos dormitórios de
hospitais.
De encontro à Lua, as hirtas galharias
Estão paradas como nos vitrais
E o luar decalca nas paredes frias
Misteriosas janelas fantasmais...
O silêncio de quando, em alto mar,
Pálida, vaga aparição lunar,
Como num sonho vem vindo essa
Fragata...
Estranha Nau que não demanda os portos!
Com mastros de marfim, velas de prata,
Toda apinhada de meninos mortos...
= = =
(Nova Antologia Poética, Editora Codecri, RJ, 1981)
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