Da Vez Primeira...
Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram
levando qualquer coisa minha...
E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais
nada...
Arde um toco de vela, amarelada...
Como
o único bem que me ficou!
Vinde, corvos, chacais, ladrões da
estrada!
Ah! desta mão, avaramente adunca,
Ninguém
há de arrancar-me a luz sagrada!
Aves da Noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A
luz do morto não se apaga nunca!
Minha Morte Nasceu...
Para Moysés Vellinho
Minha morte nasceu quando eu nasci.
Despertou, balbuciou, cresceu comigo...
E dançamos de roda ao luar amigo
Na
pequenina rua em que vivi.
Já não tem mais aquele jeito antigo
De rir e que, ai de mim, também perdi!
Mas inda agora a estou sentindo aqui,
Grave
e boa, a escutar o que lhe digo:
Tu que és a minha doce prometida,
Nem sei quando serão as nossas bodas,
Se
hoje mesmo... ou no fim de longa vida...
E as horas lá se vão, loucas ou
tristes...
Mas é tão bom, em meio às horas todas,
Pensar
em ti... saber que tu existes!
Estou Sentado Sobre a Minha Mala
Para Athos Damasceno Ferreira
Estou sentado sobre a minha mala
No velho bergantim desmantelado...
Quanto tempo, meu Deus, malbaratado
Em
tanta inútil, misteriosa escala!
Joguei a minha bússola quebrada
Às águas fundas... E afinal sem norte,
Como o velho Sindbad de alma cansada
Eu
nada mais desejo, nem a morte...
Delícia de ficar deitado ao fundo
Do barco, a vos olhar, velas paradas!
Se
em toda parte é sempre o Fim do Mundo.
Pra que partir? Sempre se chega,
enfim...
Pra que seguir empós das alvoradas
Se,
por si mesmas, elas vêm a mim?
Sobre a Coberta o Lívido Marfim
Sobre a coberta o lívido marfim
Dos meus dedos compridos, amarelos...
Fora, um realejo toca para mim
Valsas
antigas, velhos ritornelos.
E esquecido que vou morrer enfim,
Eu me distraio a construir castelos...
Tão altos sempre... cada vez mais belos!
Nem
D. Quixote teve morte assim...
Mas que ouço? Quem será que está
chorando?
Se soubésseis o quanto isto me enfada!
...E
eu fico a olhar o céu pela janela...
Minh’alma louca há de sair cantando
Naquela nuvem que lá está parada
E
mais parece um lindo barco a vela!...
Que Bom Ficar Assim...
Para Reynaldo Moura
Que bom ficar assim, horas inteiras,
Fumando... e olhando as lentas
espirais...
Enquanto, fora, cantam os beirais
A
baladilha ingênua das goteiras.
E vai a Névoa, a bruxa silenciosa,
Transformando a Cidade, mais e mais,
Nessa Londres longínqua, misteriosa
Das
poéticas novelas policiais...
Que bom, depois, sair por essas ruas,
Onde os lampiões, com sua luz febrenta,
São
sóis enfermos a fingir de luas...
Sair assim (tudo esquecer talvez!)
E ir andando, pela névoa lenta,
Com
a displicência de um fantasma inglês...
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* *
“Antologia
Poética” - Seleção e Apresentação de Walmir Ayala – 3ª edição, Ediouro S. A. /
Rio de Janeiro, 1995
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