APRESENTAÇÕES, ETC.
Das novelas
que tenho lido, geralmente achei que deviam ter começado 20 páginas depois e
terminar 20 páginas antes. O resto não passa de apresentações e despedidas. A
vida não é de tais cerimônias: seus enredos começam no meio do baile. Kafka,
por exemplo, logo à primeira frase da “Metamorfose”, dá um susto no leitor. E,
das minhas remotas leituras de colégio, me lembro, ainda agora, de Cecília e
Peri sumindo no horizonte...
Por isso na
sua maioria os contos de Maupassant, e principalmente os do festejado O. Henry,
em vez de terem um desenlace, o que eles tinham era uma laçadinha,
cuidadosamente feita, como nesses presentes de aniversário.
NOTURNO XVII
Nem
tudo está
mudado:
durante
o sono
o
passado
em
cada esquina põe um daqueles lampiões.
E
os autos, minha filha, esses ainda nem foram inventados...
Só
essa velha carruagem rodando rodando
sobre as pedras irregulares do
calçamento.
Essa velha carruagem que passa, noite
alta, pelas ruas, ...
E
ao fundo do teu sono há uma lamparina acesa
-
das que outrora havia ao pé de alguma imagem.
Ela arde sem saber como a parede é
nua.
Mas
há
um cigarro que se esfez em cinza à tua
cabeceira
– sem simbolismo algum – um toco
de cigarro apenas...
HOMO
INSAPIENS
Vocês se lembram quando a gente se
perdia no campo e soltava a rédea ao cavalo e ele voltava direitinho para casa?
Pois até hoje, quando não me lembro onde guardei uma coisa, desisto de quebrar
a cabeça, afrouxo o espírito e eis que ele conduz meu passo e minha mão
sonâmbula ao lugar exato. Quanto a saber qual dos dois, espírito e corpo, é o
cavaleiro e o cavalo, é questão acadêmica. Só sei que isso não me acontece agora
na vastidão do campo, mas dentro de uma casa, de uma sala, de um móvel...
NO
MEIO DA RUA, NÃO.
- Mas por que você não deita as suas
idéias por escrito? – digo-lhe. Ele entrepara, não sabe se ofendido ou
lisonjeado. Explico-lhe:
- É que, por escrito, a gente pode ler
em casa, com todo o tempo...
LAZER
Um bom lazer, mesmo, é não assistir
esses cursos sobre lazer.
HAMLET
E YORICK
Uma das anedotas mais divertidas que
ouvi foi num velório; tive até de sair da sala para poder desabafar.
Não a conto a vocês agora porque
perdeu a graça ou não tinha nenhuma. A causa deveria ser a solenidade
proibitiva da ocasião. E não me falem no de riso nervoso – coisa que só se vê
nos maus filmes.
Quanto às solenidades persuasivas,
fins de ano, carnavais, etc., sou atacado de cara-de-pau, uma seriedade de
matar de inveja o Buster Keaton, se ele já não estivesse compenetradamente morto.
O fato é que, se acaso eu fosse ator e
me visse enredado, ao representar Hamlet, naqueles seus dramas tremendos, não
me apresentaria de preto, como o obrigam os diretores de cena, mas sim com as
vestes coloridas e os guizos do seu amado bufão Yorick.
Ah! tudo isso porque tudo comporta o
seu contrário; e a nossa alma, por mais que esteja envolvida nas coisas deste
mundo, nunca deixa de estar do outro lado das coisas...
* * *
“A Vaca e o Hipogrifo”, L&PM
Editora, 3ª Edição, Editora Garatuja, Porto Alegre, 1979
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