O mal dos que estudam as simpatias e outras superstições populares é não acreditarem nelas: isto os torna tão incompetentes para tratar do assunto como um biologista que não acreditasse em micróbios...
Oh, a certeza com que esses espíritos céticos afirmam as suas dúvidas! Mas a verdadeira dúvida não deveria duvidar de si mesma?
E por que será que as mulheres duvidosas são as de que todo o mundo tem certeza?
Em nossa Porto Alegre, bela cidade tão cheia de alcantis e ladeiras, a lomba mais fácil de subir é a lomba do Cemitério. Vai a gente levado, como num berço, ao suave deslizar do carro funéreo, como um bom burguês que dorme a sua sesta profundamente, sem um ronco, sem um suspiro, sem um gemido – e que não quer mesmo outra vida.
As palavras de gíria – a julgar pelas que correm agora – quanto mais cretinas mais pegam. Mas há as que merecem ficar, as que merecem a perpetuação dos dicionários. Exemplos? A saudação “Oi!”, mais íntima que o costumeiro “Olá”. E também a palavra “brotinho”, que não precisa de justificativa, pois sua significação vai brotando por si mesma.
Não importa o enredo das histórias: o que vale é o êxtase de quem escuta. Por isso é que as crianças gostam de ouvir sempre as mesmas histórias, como se fosse da primeira vez.
Sei de poetas – e ninguém desconfia – que passam a vida inteira escrevendo o mesmo poema.
E daí! se há coisa mais incurável que um poeta é o leitor de poemas...
O velho mendigo que agora mesmo, neste momento, acaba de encontrar num monte de sucata a lâmpada de Aladim – tão amassada, tão enferrujada e de feitio tão esquisito – eis que ele a devolve ao lixo e leva em vez dela uma útil chaleira. Uma chaleira sem tampa, digo eu, para os que gostam de pormenores.
Não é esta a primeira vez que o acaso, inocentemente, assim estraga uma bela história!
O lançamento da Seleta em prosa & verso, bela iniciativa de Martins, o Livreiro, foi aquele sucesso que todos viram e que ainda continua, pois são inúmeros os que vão procurar agora não propriamente o livro, mas a si mesmos e ficam outra vez de alma travessa e menineira, ao reler as páginas que estudaram há quarenta, cinquenta, sessenta anos ou mais até: tenho um amigo de 88 anos a quem acabo de remetê-la de presente e que até hoje recita poemas decorados na sua época de escola.
A vantagem grande da Seleta de Alfredo Clemente Pinto é que, sendo o único livro de leitura então adotado em nossas escolas, formava assim um fundo de cultura geral. Tanto que, viajando por esses brasis em fora, encontrei gente que não tinha notícia do ovo de Colombo ou do estalinho do Padre Antônio Vieira, coisa corrente entre os que sabíamos disso pela Seleta.
A propósito: vocês não ignoram que a acolhedora casa de Erico Verissimo era uma espécie de sala de visitas do Rio Grande do Sul. Ali acorriam itinerantes de todos os Estados. Ora, numa noite, num daqueles serões, Erico deixou a sua poltrona e veio sentar-se ao pé de mim, que me achava devidamente colocado a um canto.
E como há quem pense ingenuamente que uma conversa entre intelectuais deve ser uma coisa do outro mundo (antes pelo contrário), um dos visitantes, por sinal piauiense, achegou-se sorrateiramente a nós e pôs-se furtivamente à escuta. Erico fez que não notara coisa alguma e, erguendo a voz, recorreu à Seleta: “Uma leoa famélica vagava, bramando pelas ruas de Florença”.
A isto, eu imediatamente retruquei, no mesmo tom: Waterloo! Waterloo! Lição sublime!”.
Resultado: até hoje aquele piauiense deve estar de boca aberta.
A verdade é que, constando de autores clássicos – antigos e modernos, pois não só os antigos é que são clássicos -, os meninos do meu tempo e das gerações anteriores e seguintes aprendiam a escrever de ouvido.
Nunca é demais repetir que aprender português unicamente pela gramática é tão absurdo como aprender a dançar por correspondência. Aprende-se a escrever lendo, da mesma forma que se aprende a dançar bailando.
Este acervo e esta unidade de boas leituras perdem-se hoje em dia na multiplicidade das antologias escolares, onde nem todos os autores são bons: não poucos entram por baixo do pano, graças à camaradagem do diretor do espetáculo.
A leitura de bons autores do passado é uma herança que muitos jovens desdenham por julgá-los fora de época, quando um bom autor é sempre contemporâneo. O tempo nada pode contra eles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário