TELEGRAMA A LIN YUTANG
Acabo de ver um negrinho comendo um ovo cozido. Hein, Lin Yutang?
CRISE
Por causa dos ilusionistas é que hoje em dia muita gente acredita que poesia é truque...
MEU TRECHO PREDILETO
O que mais me comove, em música, são essas notas soltas – pobres notas únicas – que do teclado arranca o afinador de pianos...
PROSÓDIA
As folhas enchem de ff as vogais do vento.
CLOPT! CLOPT!
É a ruazinha que tosse, tosse, engasgada com o homem da muleta.
SÓ PARA SI
Dona Cômoda tem três gavetas. E um ar confortável de senhora rica. Nas gavetas guarda coisas de outros tempos, só para si. Foi sempre assim, dona Cômoda: gorda, fechada, egoísta.
A COMPANHEIRA
A lua parte com quem partiu e fica com quem ficou. E, pacientemente, consoladoramente, aguarda os suicidas no fundo do poço.
FELIZ!
Deitado no alto do carro de feno... com os braços e as pernas abertos em X... e as nuvens, os vôos passando por cima... Por que estradas de abril viajei assim um dia? De que tempos, de que terras guardei essa antiga lembrança, que talvez seja a mais feliz das minhas falsas recordações?
JANELA DE ABRIL
Tudo tão nítido! O céu rentinho às pedras. Pode-se enxergar até os nomes que andaram traçando a carvão naquele muro. Mas, mesmo que o céu soubesse ler, isso não teria agora a mínima importância. E sente-se que Nosso Senhor, em comemoração de abril, instituirá hoje valiosos prêmios para o riso mais despreocupado, para o sapato mais rinchador, para a pandorga mais alta sobre o morro.
VIRAÇÃO
Voa um par de andorinhas, fazendo verão. E vem uma vontade de rasgar velhas cartas, velhos poemas, velhas contas recebidas. Vontade de mudar de camisa, por fora e por dentro... Vontade... para que esse pudor de certas palavras?... vontade de amar, simplesmente.
CARRETO
Amar é mudar a alma de casa.
O PARAÍSO PERDIDO
Nasci em Shangri-La.
Pois quem foi que não nasceu em Shangri-La?
PARÁBOLA
A imagem daqueles salgueiros nágua é mais nítida e pura que os próprios salgueiros. E tem também uma tristeza toda sua, uma tristeza que não está nos primitivos salgueiros.
OS MÁSCARAS
O Homem Invisível via-se obrigado a botar máscara. Era uma face enganadora, alheia, sinistra, melancólica...
O Poeta, para entrar em contacto com os outros homens, põe-se a fazer poemas.
* * *
“Sapato Florido” – Editora Globo, Porto Alegre, 1948
_____________
Nota: Algumas palavras tiveram sua grafia atualizada, em relação ao original. Em todas as demais transcrições procederei de modo idêntico. Para Shangri-La – em Paraíso Perdido, acima - conservei a grafia do livro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário