A morte não melhora ninguém...
Mas quem sabe se o Diabo não será o Mister Hyde de Deus?
Esta segunda-feira está parecidíssima com Robert Mitchum: está com uma cara sonolenta e oca, uma cara de teia de aranha.
Antigamente, era preciso virar todos os retratos dos nossos antepassados contra a parede, para não continuarem espiando a gente.
Espiando ou espionando, nunca se sabe...
Mas agora, alheios a tudo o mais, eles ficam olhando juntamente conosco, noite adentro, as intermináveis novelas da TV.
Idade em que a gente lê sem estar pensando noutras coisas.
Era uma vez três moças que moravam na florescente cidade de Encruzilhada. E, como eram três moças muito sérias, faltava-lhes o senso de humor e tomavam ao pé da letra o nome de sua cidade natal. E nunca sabiam onde ir, o que fazer, o que responder...
Para acabar com essa dúvida atroz, depois de infindáveis hesitações, resolveram o seguinte: a primeiro sempre diria “sim”, a segunda que não e a terceira responderia com ar sonhador:
- Talvez...
Ora, um dia a Morte apareceu à primeira, e a moça disse que sim.
A Morte a levou.
No outro dia a Morte apareceu à segunda e esta disse que não.
- Como ousas contrariar-me? – a Morte retrucou. – Eu sou a única Potestade do Céu e da Terra a quem ninguém pode dizer “não”.
E levou a moça.
Enfim, no terceiro dia, a Morte apresentou-se à última das três – e a moça ficou olhando, olhando a cara da Morte e finalmente suspirou:
- Talvez...
E a Morte retirou-se , danada da vida.
O que eu mais temo – escrevi em um dos meus agás – não é o Sono Eterno, mas a possibilidade de uma insônia eterna – o que seria uma verdadeira estopada, um suplício sem fim. Porém, em uma das minhas costumeiras noites de sonho acordado, o meu amigo morto pediu um cigarro, e disse-me:
- Não é como tu pensas, todos nós trabalhamos numa série infinita de escritórios (cada geração de mortos num deles) onde a gente se entrega a um sério trabalho de estatística: tem-se de anotar a chegada de cada um e comunicar-lhe o respectivo número, pois isso de nomes é mera convenção terrena. O pior são os que atrapalham a escrita, morrendo antes do tempo – ou porque se mataram ou por culpa dos médicos, e estes ainda são culpados quando fazem os doentes morrer depois da hora, numa espécie de sobrevida artificial, já que os médicos (diga-se em sua honra) julgam criminosa a prática da eutanásia... Uma pena!
- E fora do expediente, o que fazem vocês?
- Bem, a hora do almoço não deixa de ser divertida por causa dos Santos: põem-se a discutir acaloradamente qual deles fez na Terra o maior número de milagres e outras futilidades.
- E nos serões, eles jogam prenda?
- Mais respeito, seu vivo!... Bem! Nos serões eles fazem concursos para ver quem é que diz de cor mais versículos da Bíblia. Uma bobagem! Todo mundo sabe que o único que sabe a Bíblia de cor, tintim por tintim, é o Diabo.
- E Deus? Me conta como é Ele...
- Ah, o Velho? Desconfio que certa vez O vi...
- Só certa vez? Mas Ele não está sempre no Céu?
- Bem, tu deves compreender que Ele se preocupa principalmente com os vivos. O Velho está quase sempre é na Terra, lidando com os assuntos humanos. Ele e o Diabo. Sim, os dois vivem a maior parte do tempo na Terra.
- Ora, eu pensava que vocês soubessem mais do eu nós... Mas conta-me lá como foi que desconfiaste de ter visto o Velho?
- Foi há tempos, eu era recém-chegado, quando uma tarde apareceu de surpresa no escritório um velhinho muito simpático. Com as mãos às costas, curvava-se sobre cada mesa, inspecionando o nosso trabalho, por sinal que me atrapalhei, errei uma palavra. Ele bateu-me confortadoramente no ombro, como quem diz: “Não foi nada... não foi nada...” Ao retirar-se, já com a mão no trinco da porta, virou-se para nos e abanou: “Até outra vez seu Eu quiser!”
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