AULA INAUGURAL
É verdade que na Ilíada não havia tantos heróis como na guerra do Paraguai...
Mas eram bem falantes
E todos os seus gestos eram ritmados como num balé
Pela cadência dos metros homéricos.
Fora do ritmo, só há danação.
Fora da poesia não há salvação.
A poesia é dança e a dança é alegria.
Dança, pois, teu desespero, dança.
Tua miséria, teus arrebatamentos,
Teus júbilos
E,
Mesmo que temas imensamente a Deus,
Dança como David diante da Arca da Aliança;
Mesmo que temas imensamente a morte
Dança diante da tua cova.
Tece coroas de rimas...
Enquanto o poema não termina
A rima é como uma esperança
Que eternamente se renova.
A canção, a simples canção, é uma luz dentro da noite.
(Sabem todas as almas perdidas...)
O solene canto é um archote nas trevas.
(Sabem todas as almas perdidas...)
Dança, encantado dominador de monstros,
Tirano das esfinges,
Dança, Poeta,
E sob o aéreo, o implacável, o irresistível ritmo de teus pés,
Deixa rugir o Caos atônito...
RITMO
Na porta
A varredeira varre o cisco
varre o cisco
varre o cisco
Na pia
a menininha escova os dentes
escova os dentes
escova os dentes
No arroio
a lavadeira bate roupa
bate roupa
bate roupa
até que enfim
se desenrola
toda a corda
e o mundo gira imóvel como um pião!
O POETA COMEÇA O DIA
Pela janela atiro meus sapatos, meu ouro, minha alma ao meio da rua.
Como Harum-al-Raschid, eu saio incógnito, feliz de desperdício...
Me espera o ônibus o horário a morte – que importa?
Eu sei me teleportar: estou agora
Em um Mercado Estelar... e olha!
Acabo de trocar
- em meio aos ruídos da rua
alheio aos risos da rua –
todas as jubas do Sol
por uma trança da Lua!
O PASSAGEIRO CLANDESTINO
No porta-malas do meu automóvel
levo o anjo escondido...
Quando chegamos a um descampado,
ele sai lá de dentro, distende as asas, belo como a Vitória de Samotrácia...
e eu, então, nos seus ombros, dou uma longa volta, pelos céus da cidade,
porém temos logo de regressar a nossos antros de cimento
- antes que a serenata dos sapos, mais uma vez,
venha cantar, à beira dos banhados,
nossa modesta aventura de um domingo burguês.
O MILAGRE
Dias maravilhosos em que os jornais vêm cheios de poesia...
E do lábio do amigo brotam palavras de eterno encanto...
Dias mágicos...
Em que os burgueses espiam,
Através das vidraças dos escritórios,
A graça gratuita das nuvens...
O LÍMPIDO CRISTAL
Que límpido o cristal de abril!... Um grito
não vai como os da noite – para os extra-mundos...
Todas as vozes, todas as palavras ditas – cigarras presas
dentro do globo azul – vão em redor do mundo
e a ninguém é preciso entender o que elas dizem;
basta aquele bordoneio profundo
que vibra com o peito de cada um...
palavras felizes de se encontrarem uma com a outra
nas solidões do mundo!
* * *
(Nova Antologia Poética, Editora Codecri, RJ, 1981)
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