Lili, ao revelar-me um dia umas composições suas – onde os lugares comuns esvoaçavam com toda a novidade da inocência – muito se espantou do meu espanto pelo fato de que os títulos nada tinham a ver com o texto. Explicou-me que um dos sonetos se chamava João porque era o nome de um seu amiguinho de escola e o mesmo se dava com o soneto chamado Sofia.
Ora, ora, me quedei pensando, não estaria ela com a razão?
Já teve a poesia o seu período temático, como a pintura. Daí, hoje, a desnecessidade de títulos, nas telas como nos poemas. O que, cronologicamente, não é bem assim, tanto que Camões e Petrarca se limitavam a numerar os seus sonetos, nem é de crer que assim fizessem simplesmente por falta de imaginação. Deixemos, pois, de generalizações, que levam sempre a becos sem saída.
E, em troca, este “soneto” que improvisei naqueles tempos para Lili, quando a sua mania, além de chamar tudo de soneto, era meter, em tudo, a palavra “pois”:
O Doutor Quejando, pois,
vinha andando
andando quando encontrou o carneirinho Mé
em companhia da vaquinha Bu.
– Olé!
Como vais tu? – disseram-lhe os dois.
O Doutor Quejando continuou andando,
mudo.
Mas na cerca havia um urubu.
Mudo.
E o doutor Quejando e o urubu trocaram um horrível olhar de simpatia.
E o pior de tudo
é que acabou a história...
Se acabou a história
e a vida continua.
O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.
Os espelhos partidos têm muito mais luas.
As persianas, entrefechadas, deixam passar uma réstia de sol, onde zumbe uma mosca. Silêncio. Somente, na última prateleira, há um velho boião que diz: “Viva Dom Pedro Segundo!” – única nota exclamativa neste silêncio tecido (e não interrompido) pelo zumzum da mosca em seu vaivém. Tudo é definitivo, tudo é tão agora que até o relógio, o velho bruxo, está parado.
Não há maior euforia, numa orquestra, como a dos pratos – tlin! tlin! tlan!!! – quando se vingam, enfim, do seu longo, do seu forçado silêncio.
As palavras de gíria, isso não tem grande importância, meu caro professor: tão logo aparecem, desaparecem.
O pior são essas idéias de gíria...
Na verdade, a coisa mais pornográfica que existe é a palavra “pornografia”.
Datilografia: escrita por batuque...
Ele chegou ao bar, pálido e trêmulo. Sentou-se.
- Por enquanto, nada – desculpou-se ao garçon. – Estou esperando uma amiga.
Dali a dois minutos, estava morto.
Quanto ao garçon que o atendeu, esse adorava repetir a história, mas sempre acrescentava ingenuamente:
- E, até hoje, a “grande amiga” não chegou!
Há certas coisas que não haveria mesmo ocasião de as colocarmos sensatamente numa conversa – e que só num poema estão no seu lugar. Deve ser por esse motivo que alguns de nós começaram, um dia, a fazer versos. Um modo muito curioso de falar sozinho, como se vê, mas o único modo de certas coisas caírem no ouvido certo.
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