MATINAL
O tigre da manhã espreita pelas venezianas.
O vento fareja tudo.
Nos cais, os guindastes – domesticados dinossauros –
erguem a carga do dia.
QUINTA COLUNA
Te lembras dos tempos em que se falava na Quinta Coluna?
Felizes tempos aqueles – porque eram tempos de guerra
E a gente pensava que tudo ia melhorar depois...
- Mas quando?!
Apenas restou, entre nós a Quinta Coluna dos Poetas.
Sim! Nós é que somos os verdadeiros visitantes do Futuro
- não esses que os ingênuos autores de FC andaram espalhando por aí...
E temos agora tantas, tantas coisas que denunciar neste mundo louco...
- Mas a quem?!
O HOMEM DO BOTÃO
Quando esta velha nave espacial do mundo for um dia a pique
Não haverá iceberg nenhum que o explique... Apenas
Um de nós, em desespero
- como quem se livra de terrível dor de cabeça com uma bala rápida no ouvido –
Vai apertar primeiro o botão:
Clic!
Tão simples... E os mais espertos venderão,
A preços populares, arquibancadas na Lua
Ou caríssimos camarotes de luxo
Para que possam todos assistir à nossa ÚLTIMA FUNÇÃO.
O perigo
É que a arquibancada desabe
Ou que a própria Lua venha a cair no caldeirão fervente.
Enquanto isso, Deus, que afinal é clemente,
Põe-se a cogitar na criação, em outro mundo,
De uma nova humanidade
- sem livre arbítrio –
Principalmente sem livre arbítrio...
Mas com esse puro instinto animal
Que o homem do botão atribuía apenas às espécies inferiores.
SEI QUE CHOVEU À NOITE
Sei que choveu à noite. Em cada poça há um brilho azul e nítido.
Sobre as telhas, os diabinhos invisíveis do vento escorregam num louco tobogã.
Um mesmo frêmito agita as roupas nos varais e os brincos nas orelhas...
Ó ânsia aventureira! Parece que surgem bandeirolas nos dedos mágicos dos inspetores do tráfego... Ah, que vontade de desobedecer os sinais!
E mesmo as escolas, onde agora está presa a meninada, nunca essas escolas rimaram tão bem com opressivas gaiolas...
Só deveria haver escolas para meninos-poetas, onde cada um estudasse com todo o gosto e vontade o que traz na cabeça e não o que já está escrito nos manuais.
E, se duvidares muito, daqui a pouco sairão voando todas as gravatas-borboletas, enquanto os seus donos atônitos aguardam o sinal verde nas esquinas. Decerto elas foram em busca de novos ares...
Mas sossega, coração inquieto. Não vês? Sob o azul cada vez mais azul, a cidade lentamente está zarpando para um porto fantástico do Oriente.
O SEGUNDO MANDAMENTO
Bem sei que não se deve dizer o Seu santo nome em vão.
Mas, agora,
o seu nome é apenas uma interjeição
como acontece com “Minha Nossa Senhora!”
- este belíssimo grito tão certamente errado
como o faz tanta vez o povo em suas descobertas.
A voz do povo é um Livro de Revelações.
Só tem que o tempo as foi sedimentando em sucessivas camadas
E elas agora nos dizem tanto como uma pedra.
Agora restam-nos apenas as palavras técnicas
pertencentes ao vocabulário inerte dos robôs.
Porém um dia as pedras se iluminarão milagrosamente por dentro
porque só termina para todo o sempre o que foi artificialmente construído...
Um dia,
um dia as pedras gritarão!
* * *
(“Baú de Espantos”, 4ª Edição, Editora Globo, RJ,1988)
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