CANÇÃO DA GAROA
Em cima do meu telhado,
Pirulim lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.
O relógio vai bater:
As molas rangem sem mim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.
E chove sem saber por quê...
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin...
CANÇÃO DE NUVEM E VENTO
Medo da nuvem
Medo Medo
Medo da nuvem que vai crescendo
Que vai se abrindo
Que não se sabe
O que vai saindo
Medo da nuvem Nuvem Nuvem
Medo do vento
Medo Medo
Medo do vento que vai ventando
Que vai falando
Que não se sabe
O que vai dizendo
Medo do vento Vento Vento
Medo do gesto
Mudo
Medo da fala
Surda
Que vai movendo
Que vai dizendo
Que não se sabe...
Que bem se sabe
Que tudo é nuvem que tudo é vento
Nuvem e vento Vento Vento!
CANÇÃO MEIO ACORDADA
Laranja! Grita o pregoeiro.
Que alto no ar suspensa!
Lua de ouro entre o nevoeiro
Do sono que se esgarçou.
Laranja! grita o pregoeiro.
Laranja que salta e voa.
Laranja que vais rolando
Contra o cristal da manhã!
Mas o cristal da manhã
Fica além dos horizontes...
Tantos montes... tantas pontes...
(De frio soluçam as fontes...)
Porém fiquei, não sei como,
Sob os arcos da manhã.
(Os gatos moles do sono
Rolam laranjas de lã.)
CANÇÃO DE JUNTO DO BERÇO
Não te movas, dorme, dorme
O teu soninho tranqüilo.
Não te movas (diz-lhe a Noite)
Que inda está cantando um grilo...
Abre os teus olhinhos de ouro
(O Dia lhe diz baixinho).
É tempo de levantares
Que já canta um passarinho...
Sozinho, que pode um grilo
Quando já tudo é revoada?
E o dia rouba o menino
No manto da madrugada...
CANÇÃO DA AIA PARA O FILHO DO REI
Mandei pregar as estrelas
Para velarem teu sono.
Teus suspiros são barquinhos
Que me levam para longe...
Me perdi no céu azul
E tu, dormindo, sorrias.
Despetalei uma estrela
Para ver se me querias...
Aonde irão os barquinhos?
Com quem será que tu sonhas!
Os remos mal batem nágua...
Minhas mãos dormem na sombra.
A quem será que sorris?
Dorme quieto, meu reizinho.
Há dragões na noite imensa,
Há emboscadas nos caminhos...
Despetalei as estrelas,
Apaguei as luzes todas.
Só o luar te banha o rosto
E tu sorris no teu sonho.
Ergues o braço nuzinho,
Quase me tocas... A medo
Eu começo a acariciar-te
Com a sombra de meus dedos...
Dorme quieto, meu reizinho.
Os dragões, com a boca enorme,
Estão comendo os sapatos
Dos meninos que não dormem...
CANÇÃO DE TORNA-VIAGEM
Uma carta encontrarei
Debaixo da minha porta.
Ordem da Filha do Rei?
Feitiço da Moira Torta?
A carta não abrirei.
Talvez me seja fatal.
Mas sobre o leito há uma rosa,
Há uma rosa e um punhal.
Que fiz de bem ou de mal
Pelos caminhos que andei?
Qual dos dois, rosa e punhal,
É o da Princesa e o do Rei?
Ai, tudo a carta diria,
A carta de sob a porta...
Se não se houvera sumido
Por artes da Moira Torta!
* * *
“CANÇÕES”, Editora Globo, São Paulo, SP, 2005 – ©1994 by Elena Quintana
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