DA PREGUIÇA COMO MÉTODO DE TRABALHO
Não sei pensar a máquina, isto é, faço o meu trabalho criativo primeiramente a lápis. Depois, com o queixo apoiada na mão esquerda, repasso tudo a máquina com um dedo só.
- Mas isto não custa muito?
- Custar, custa, mas dura mais.
Não despertemos o leitor. Os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo.
Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as eternas frases feitas.
“A vida é um fardo”; isto, por exemplo, pode-se repetir sempre. E acrescentar impunemente: “disse Bias”. Bias não faz mal a ninguém, como, aliás, os outro seis sábios da Grécia, pois todos os sete, como há vinte séculos já se queixava Plutarco, eram uns verdadeiros chatos. Isto para ele, Plutarco. Mas, para o grego comum da época, devia ser a delícia e a tábua de salvação das conversas.
Pois não é mesmo tão bom falar e escrever sem esforço? O lugar-comum é a base da sociedade, a sua política, a sua filosofia, a segurança das instituições. Ninguém é levado a sério com idéias originais.
A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda. Não poderia viajar pelo mundo inteiro.
- Enfim – concluiu ele, após uma audiência com o respectivo xá, ou coisa que o valha -, construindo-se a estrada de ferro de que o país tanto necessita, a viagem até a fronteira poderá ser feita em um só dia!
E o mais confortador das longas viagens de trem são esses burricos pensativos que vemos à beira da estrada e nos poupam assim o trabalho de pensar...
Certa vez abalancei-me a um trabalho intitulado “Preguiça”. Constava do título e de duas belas colunas em branco, com a minha assinatura no fim. Infelizmente não foi aceito pelo supercilioso coordenador da página literária.
Censurar uma página em branco é o cúmulo da censura.
Em suma: o que prejudica a minha preguiça prejudica o meu trabalho.
CRÔNICA ATMOSFÉRICA
Pois acabo de descobrir uma volúpia nova. Sosseguem, velhinhos, não é nada disso do que vocês estão antegozando... Foi simplesmente que, estando eu aparelhado com um vigésimo da “bruta” da Federal, procuro-o no bolso interno esquerdo do paletó para namorá-lo mais uma vez, talvez para hipnotizá-lo... Procuro-o no bolso interno direito, procuro-o até naquele bolso de cima reservado para o clássico lencinho de ponta virada que eu nunca usei porque acho isto uma besteira... e nada!
Aconselho-te, pois, paciente leitor, a comprar um bilhete inteiro da próxima extração. Compra-o e rasga-o em pedacinhos. E lança-os aos quatro ventos do Destino. Verás o que é sensação, verás como sacodes a alma dessa medíocre mesmice de sempre, e verás como vibras, como vives a vida!
* * *
“Da Preguiça como Método de Trabalho” – 2ª edição 2007, 1ª reimpressão 2009, Editora Globo S. A., SP
Foto: Liane Neves
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