DELÍCIA
O que tem de bom uma galinha assada é que ela não cacareja.
ACIDENTES
O despertador é um acidente de tráfego do sono. Mas é um só. Ao passo que durante o dia somos a toda hora sinistrados pelos telefones.
BARULHO & PROGRESSO
O progresso é a insidiosa substituição da harmonia pela cacofonia.
A HERANÇA
Se eu fosse um iluminado, com que habilitações poderia eu distribuir a minha carne e o meu sangue? Apenas diria aos discípulos famintos:
- Eis aqui os meus ossos.
ADVERTÊNCIA
Esse leão da Metro – quase áfono e que parece ter perdido toda a sua leonidade – é o maior exemplo contra o uso das boletas.
O MUNDO DO SONHO
O mundo do sonho é silencioso como o mundo submarino. Por isso é que faz bem sonhar.
O RELÓGIO
O relógio de parede numa velha fotografia – está parado?
O MUNDO DE DEUS
Aquele astronauta americano que anunciou ter encontrado Deus na lua é no fim de contas menos simplório do que os primeiros astronautas russos, os quais declararam, ao voltar, não terem visto Deus no céu.
Porque, se Deus é paz e paz é silêncio afinal, deve Ele estar mesmo muito mais na lua do que nas metrópoles terrenas.
E, pelo que me toca, a verdade é que nunca pude esquecer estas palavras de um personagem de Balzac: “O deserto é Deus sem os homens”.
NOTA NOTURNA
O silêncio é um espião.
DOS EXTREMOS
Os cisnes, de tão elegantes, de tão heráldicos e serenos e decorativos, a gente acaba achando-os chatos como patos...
NOTA MACABRA
As árvores podadas parecem mãos de enterrados vivos.
ESVAZIAMENTO
Cidade grande: dias sem pássaros, noites sem estrelas.
VERSÍCULO INÉDITO DO GÊNESIS
E eis que, tendo Deus descansado no sétimo dia, os poetas continuaram a obra da Criação.
O TESTEMUNHO EVANGÉLICO
Já se queixava São Paulo de que os atenienses só queriam razões. Bem sabia ele que as almas são ávidas de alimento muito menos dessangrado que um simples raciocínio. Mas nós, os gregos, continuamos em jejum...
TRECHO DE DIÁRIO
Sempre fui metafísico. Só penso na morte, em Deus e em como passar uma velhice confortável.
O POBRE DO ESPAÇO
O espaço é cheio de buracos: nós, as coisas, os mundos. A perfeição seria o espaço puro, fica ele a pensar com os seus buracos... Mas isso, Sr. Espaço, é uma coisa tão impossível como a poesia pura.
O POETA E OS EXEGETAS
Há anos venho procurando esta raridade bibliográfica: uma edição da Divina Comédia sem comentários. Raridade? Creio que nem existe maravilha assim...
* * *“Caderno H” – Editora Globo, 2ª Edição, Porto Alegre, 1977
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