De volta a estas páginas, a esta minha velha sessão no Correio, voltando, enfim, aos meus fregueses de caderno, confesso que não tenho palavras para dizer tudo o que sinto – nem adianta sugerirem que neste caso eu poderia latir, uivar, ganir. Mas por que não? Espero encontrar os leitores tal como sempre foram, embora eu próprio já não seja o mesmo. Apresso-me a explicar: devido a um acidente de tráfego, colocaram-me no quadril esquerdo um parafuso de aço. Portanto, não pertenço unicamente ao reino animal: também faço parte do reino mineral...
Em todo o caso, o que mais importa é dizer o que significa o Correio do Povo, para a minha geração e para as gerações seguintes. Foi no Correio do Povo que aprendi as primeiras letras, antes de todas o “O” do título, que meu pai apontou com o dedo, por ser a mais simples, depois as mais complicadas. Até que, quando dei por mim, já sabia ler! Aqui estou de volta, pois, devidamente alfabetizado. Eu e os da Velha Guarda. E, como eu declarei ao dr. Breno Caldas, da última vez que nos encontramos: “A Velha Guarda não morre e não se entrega!”.
Disse-lhe eu isto quando a gente vivia tão-só de esperanças... Mas, agora, estamos ante a confortadora realidade de pertencer a um velho órgão que faz parte integrante da História do Rio Grande do Sul e, por conseguinte, da História do Brasil.
Os marinheiros se embriagam tanto em cada porto na ilusão de ainda estarem sentindo o doce embalo maternal das ondas...
DIÁLOGO FAMILIAR
- Mas por que você não escreve umas coisas mais sérias?
- Ora, tia Élida! Eu já não sou mais criança...
MOTIVAÇÕES
Quando eu, guri, comecei a fumar, foi para bancar o homenzinho. Mas que adiantou? Agora cigarro é vício de mulher...
CARVALHOS & MARGARIDAS
Há poetas, há certos poemas radioativos. São os que, sem querer, vêm operando as transmutações, as mutações humanas. Não eram cogumelos súbitos. Agitava-os o vento shakesperiano de todas as paixões, de todos os cuidados. Não sei se ficamos melhores ou piores: ficamos mais profundos. Mas há, neste mundo, os que sofrem a vertigem das profundezas ou das alturas. Para esses, inclinam-se à beira da estrada umas florinhas silvestres que sempre estão se oferecendo: colhe-me, colhe-nos! E os poetas da planície fazem buquês com elas! Alguns até belíssimos, mas sem perigo algum. Pudera! Eram flores de retórica.
OS NOMES
Como não lhes interessa o que parece inútil, os campônios não dão importância às flores do campo. É o que parece. Mas a gente fica a perguntar-se como é que essas flores silvestres conseguiram então ter nomes populares: margaridas, amores-perfeitos, coisas assim!
OS COLECIONADORES
Os turistas dos discos voadores raptam, dentre nós, apenas aqueles que têm orelhas de abano – pois são ótimos para serem afixados com belos alfinetes, numa espécie de “herbário” lá deles...
* * *
(“Porta Giratória” – Editora Globo, SP, 1988)
Foto: Redimensionada e editada, de original publicado no site WIKIPÉDIA
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