- Eu vou morrer e nunca vi um disco voador! Todo mundo já viu! Todo mundo já viu um fantasma. Eu nunca!
E vai daí o Anjo dos Últimos Desejos, que, como todos sabem, atende pelo nome de Azrafel, compadeceu-se muito e imediatamente satisfez as curiosidades do pobre homem, transformando-o num fantasma dentro de um disco voador.
A GALINHA PRETA
- Estava muito bom, obrigada; gostei muito mesmo, embora prefira galinha frita.
Uma das sobrinhas explicou:
- Frita não dava, a galinha era muito velha.
- Muito velha... – ecoou Dona Glorinha. – Não me digam que foi aquela galinha preta!
- Foi, sim – confessou a sobrinha.
Dona Glorinha ergueu-se e correu para o banheiro, com as mãos no estômago. Ao voltar, não se conteve, desabafou:
- Mas vocês! Como é que vocês não compreendem que era impossível, que eu não podia comer uma galinha que conheço pessoalmente!
O MENINO E O MILAGRE
O primeiro verso que um poeta faz é sempre o mais belo porque toda a poesia do mundo está em ser aquele o seu primeiro verso.
FATOS CONSUMADOS
... e se eles te apertarem muito sobre o que quiseste dizer com um poema, pergunta-lhes apenas o que Deus quis dizer com este nosso mundo...
UMA VACA
Sim, uma vaca – uma abençoada vaca – muge... O seu mugido é um rio de veludo morno.
PAISAGEM DE APÓS-CHUVA
A relva, os cavalos, as reses, as folhas, tudo envernizadinho como no dia inolvidável da inauguração do Paraíso...
ESTIVAL
Fazia tanto calor que as sombras se ocultavam debaixo da barriga dos cavalos e da copa das árvores.
ANTEMANHÃ
Trotam, trotam, desbarrancando o meu sono, os burrinhos inumeráveis da madrugada. Carregam laranjas? Carregam repolhos? Carregam abóboras?
UNI-VERSO
“Treme a folha no galho mais alto” – escrevo. Paro e sorvo, de olhos fechados, o cheiro bom da terra, do capim chovido... Parece que quer vir um poema...
Abro os olhos e fico olhando, interrogativamente, a linha que escrevi no alto da página. Depois de longo instante, acrescento-lhe três pontinhos. Assim não ficará tão só enquanto aguarda as companheiras.
O vento fareja-me a face como um cachorro. Eu farejo o poema. Ah, todo o mundo sabe que a poesia está em toda parte, mas agora cabe toda ela na folha que treme.
Por que não caberia então em um único verso? Um uni-verso.
Treme a folha no galho mais alto.
(O resto é paisagem...)
(“Sapo Amarelo”, Editora Global, São Paulo, 2006 – 5ª Edição)
Ilustração escaneada do livro. Autor, Orlando.
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