"Deu um suspiro, retesou-se no assento e tombou."
Tomei nota da frase para estudar o que havia de errado nela, ou em mim, visto que a achei de um cômico irresistível.
A notação e seqüência dos fatos estava exata, o estilo enxuto. Como era, então, que a gente ria tanto, em vez de chorar?
Mas agora, passando a limpo a referida transcrição (de um de nossos clássicos), não atino como não descobri logo a coisa. O pique estava na rápida e por assim dizer convulsiva sucessão dos gestos, como naqueles jornais cinematográficos de antigamente. O suspense requer suspensão do tempo, emoção em câmera lenta.
O suspense é o strip-tease do horror.
"Mastiga-me devagarinho" – dizem os viciados, no escuro das salas de projeção, enquanto no Outro Mundo, ou quem sabe se logo ali por detrás da tela, Sacher-Masoch e o Marquês de Sade estão dançando os dois em vagarosa pavana...
Muito bonito, mas não é bem assim. "Suspense", por culpa do Mestre Hitchcock, tem-se aplicado unicamente a essas taradezas. O que eu queria dizer é que todas, todas as coisas, têm de ser dosadas com suspense para poderem impressionar e encantar.
Mestra de estilo, feiticeira da arte narrativa, era aquela negra velha que nos contava histórias em pequeninos. Ficávamos literalmente no ar, nem respirávamos quando ela, encompridando a corda, dizia arrastadamente esta longa frase, cheia de nada e de tudo:
- E vai daí o príncipe pegou e disse...
LÓGICA & LINGUAGEM
Alguém já se lembrou de fazer um estudo sobre a estilística dos provérbios? Este, por exemplo: "Quem cospe para o céu, na cara lhe cai". Tal desarranjo sintático faria a antiga análise lógica perder de súbito a razão.
Mas que movimento, que vida, que economia de músculos: a gente chega a acompanhar com a cabeça a trajetória da frase!
Espero que a análise lógica do meu tempo tenha sido substituída por uma análise psicológica. Ah! aquela preocupação dos velhos lentes, de nos mandarem pôr os Lusíadas na ordem direta... Vai-se ver, eles inconfessavelmente deviam estar tentando corrigir o Velho Bruxo!
PAISAGÍSTICA
O conforto, a higiene, sim... No entanto, um ranchinho de barro e sapé vai muito melhor com a paisagem.
Um ranchinho de barro e sapé parece brotado da terra, faz parte da natureza, não contradiz as árvores e o céu.
E é, também, tão humano...
CAMINHO DA FONTE
A linha casimiriana da poesia brasileira, começou antes, em Tomás Antônio Gonzaga. É um regato límpido, por vezes interrompido aparentemente, mas que reponta sempre, quando tudo parecia perdido.
OS REFINADOS
E há também esses lugares-comuns do paradoxo, que fazem a gente suspirar por uma honesta, uma repousante banalidade...
AS ILUSÕES DE LUCIANO
As ilusões Perdidas é o título de um romance de Balzac. Um belo título. Luciano, o herói da história, as foi perdendo pouco a pouco. Por que? Ele queria a glória... E, no fim de muitas páginas, não lhe sobrou coisa alguma. Bem feito! Quem pretende apenas a glória não a merece.
A ESFINGE
Na volta da esquina encontrei a Esfinge. Petrifiquei-me. Ela me disse então, olhando-me nos olhos:
- Devora-me ou decifro-te!
O DRAGÃO
Na volta da esquina encontrei um dragão.
-Que belas escamas, senhor dragão! Que luminoso laquê! E as chamas que deitais por vossa goela têm o colorido e o movimento de um balê! E que padrão heráldico, Excelência, que...
O dragão saiu se reboleando.
(De "Caderno H" – 2ª Edição, Editora Globo, Porto Alegre, 1977)
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