Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.
Ouve também o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola.
E pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento que ele tem se evola...
Mas nessa rua há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe...
Ele trabalha silenciosamente...
E está compondo este soneto agora,
Pra alminha boa do menino doente...
TUDO TÃO VAGO... SEI QUE HAVIA UM RIO...
Tudo tão vago... Sei que havia um rio...
Um choro aflito... Alguém cantou, no entanto...
E ao monótono embalo do acalanto
O choro pouco a pouco se extinguiu...
O Menino dormira... Mas o canto
Natural como as águas prosseguiu...
E ia purificando como um rio
Meu coração que enegrecera tanto...
E era a voz que ouvia em pequenino...
E era Maria, junto à correnteza,
Lavando as roupas de Jesus Menino...
Eras tu... que ao me ver neste abandono,
Daí do Céu cantavas com certeza
Para embalar inda uma vez meu sono!...
ESTE SILÊNCIO É FEITO DE AGONIAS
Este silêncio é feito de agonias
E de luas enormes, irreais,
Dessas que espiam pelas gradarias
Nos longos dormitórios de hospitais.
De encontro à Lua, as hirtas galharias
Estão paradas como nos vitrais
E o luar decalca nas paredes frias
Misteriosas janelas fantasmais...
Ó silêncio de quando, em alto mar,
Pálida, vaga aparição lunar,
Como um sonho vem vindo essa Fragata...
Estranha Nau que não demanda os portos!
Com mastros de marfim, velas de prata,
Toda apinhada de meninos mortos...
DA VEZ PRIMEIRA...
Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...
E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mis nada...
Ar de um toco de vela, amarelada...
Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Ah! desta mão, avaramente adunca,
Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz do morto não se apaga nunca!
("A Rua dos Cataventos", Ed. da Universidade/UFRGS, Porto Alegre, 1992)
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