Quando passei o Cabo das Tormentas
As sereias seguiram-me... E o seu canto
Nunca fora, meu Deus, tão aliciante...
Até acreditei, num breve instante,
Que por algum milagre a nau transviada
Viesse acaso sonâmbula voltando
Às praias luminosas da alvorada...
Mas, ai de mim, esses enganos são
Pesadelos de luz! Antes o escuro, o sossegado
Sono... Mas uma voz: - Que dizes, nosso amor?
Ainda que nos escutes a teu lado,
Nós cantamos sempre no Futuro!
O TIO
O vento quase que apagou a lâmpada.
Dançaram sombras súbitas no teto.
Uma era um tio que eu nunca tive:
Meu coração pulsou de afeto.
Ai, nem os meus fantasmas existiram!
Falsos fantasmas, vai-se olhar e somem-se,
Deixando só um doloroso frêmito
Nos muros, e no coração inquieto...
Senão quando, compus um pensamento:
"É tudo sombra vã, que agita o vento."
E num suspiro espevitei a lâmpada.
PRIMEIRO POEMA DE ABRIL
(Para Evelyn Berg)
Vem vindo o abril tão belo em sua barca de ouro!
Um copo de cristal inventa as cores todas do arco-íris.
Eu procuro
As moedinhas de luz perdidas na grama dos teus olhos verdes.
E até onde, me diz,
Até onde irá dar essa veiazinha aqui?
(Abril é bom para estudas Corpografia!)
ANO NOVO
Agora nesta margem do Ano Novo
Me sacudo todo como um cão molhado.
No meio do parque há um letreiro: ANO BOM.
O povo acredita,
O povo tem um sorriso que vai de orelha a orelha:
Meu Deus, até parece degolado!
Toda a rosa dos ventos se desfolha
E o ar está cheio de nomes amados
- uns tristes de tão longe...
Porém o rastro que eles deixam é sempre azul.
Estou só, ó Vida,
Só e livre.
Das palmas das minhas mãos brota o vôo de um pássaro!
Enquanto
- lá do fundo da infância que eu não tive –
Um menino apresta o arco...
A LARANJA
A laranja cortada ao meio,
Úmida de amor, anseia pela outra...
É assim, é bem assim que eu te desejo!
(De "Preparativos de Viagem", 2ª Edição, Ed. Globo, Rio de Janeiro, 1989)
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