Minha rua está cheia de pregões.
Parece que estou vendo com os ouvidos:
"Couves! Abacaxis! Cáquis! Melões!"
Eu vou sair pro Carnaval dos ruídos.
Mas vem, Anjo da Guarda... Por que pões
Horrorizado as mãos em teus ouvidos?
Anda: escutemos esses palavrões
Que trocam dois gavroches atrevidos!
Pra que viver assim num outro plano?
Entremos no bulício quotidiano...
O ritmo da rua nos convida.
Vem! Vamos cair na multidão!
Não é poesia socialista... Não
Meu pobre Anjo... É... simplesmente... a Vida!...
Eu nada entendo da questão social
Eu nada entendo da questão social.
Eu faço parte dela, simplesmente...
E sei apenas do meu próprio mal,
Que não é bem o mal de toda a gente,
Nem é deste Planeta... Por sinal
Que o mundo se lhe mostra indiferente!
E o meu Anjo da Guarda, ele somente,
É quem lê os meus versos afinal...
E enquanto o mundo em torno se esbarronda,
Vivo regendo estranhas contradanças
No meu vago País de Trebizonda...
Entre os Loucos, os Mortos e as Crianças,
É lá que eu canto, numa eterna ronda,
Nossos comuns desejos e esperanças!...
Avozinha Garoa vai cantando
Avozinha Garoa vai cantando
Suas lindas histórias, à lareira.
"Era uma vez... Um dia... Eis senão quando..."
Até parece que a cidade inteira
Sob a garoa adormeceu sonhando...
Nisto, um rumor de rodas em carreira...
Clarins, ao longe... (É o Rei que anda buscando
O pezinho da Gata Borralheira!)
Cerro os olhos, a tarde cai, macia...
Aberto em meio, o livro inda não lido
Inutilmente sobre os joelhos pousa...
E a chuva um'outra história principia,
Para embalar meu coração dorido
Que está pensando, sempre, em outra cousa...
("A Rua dos Cataventos" – Editora da Universidade/UFRGS, Porto Alegre, 1992)
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