- A minha mensagem? Nenhuma. Não sou moço de recados. Aliás por que você não se deu ao trabalho de ler os meus versos antes de entrevistar-me? Se os conhecesse, lembraria certamente aquele que diz:
“Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema”.
Talvez dê, este claro e misterioso verso, a pensar que o poema é algo exterior ao poeta, uma realidade objetiva – e não relativa ao sujeito que a expressa.
É o que eu creio e receio.
Porque nisto de fazer poemas o que há, para mim, é uma necessidade de expressão e não de comunicação.
Tanto assim que, se eu descobrisse um dia que era a única criatura restante sobre a face da Terra, empregaria o meu longo lazer – não necessariamente a cantar a minha situação única, mas a refazer aqueles meus poemas que não me parecessem ainda ter recebido um adequado tratamento expressivo, isto é, o devido trabalho técnico, ou os que, de tão indizíveis, não me animei até agora a defrontar.
E é isto que dá um terrível sentido aos trabalhos do Poeta, uma enorme responsabilidade em face da Esfinge.
PRIMAVERA
A primavera é a estação dos risos etc. etc. Mal treme a brisa e mal palpita o lago. Mas de que brisa me hablas, Casemiro? É vento, é chuva – é isto!
Ah, pelo que vocês dizem e pelo que se vê, a primavera é apenas uma licença poética...
DE UM DIÁRIO DE VIAGEM
Às vezes, nas grandes cidades, descobrem-se esquinas de aldeias, com um botequim honesto e sem pressa, com fregueses fixos que não necessitam fazer o costumeiro pedido.
Entrei. Tudo conferia, tanto que fui à porta espiar o céu para ver se a lua não seria também uma lua de aldeia: não havia céu, não havia lua – como acontece em todas estas babilônias.
Essa espécie de choques cronológicos – que eu, num poema desconhecido, denominei esconderijos do tempo – são como se a roupa nova da cidade estivesse aqui e ali remendada com trapos velhos.
Reentrei. Pedi algo bem forte – uma dessas metralhas que mergulham a gente em plena intemporalidade. A coisa se chamava “Bafo da Onça”... Deu certo.
A OUTRA MÃO
O adormecido que, num gesto de abandono, deixou pendida a sua mão, sentiu que debaixo da cama alguém lhe apertava calorosamente. “Calorosamente” é um modo de dizer, minha filha... Era uma mão gelada, gelada!
(“Porta Giratória” – Ed. Globo, SP, 1988)
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