- SAPO AMARELO -
CALÇADA DE VERÃO
Quando
o tempo está seco, os sapatos ficam tão contentes que se põem a cantar.
LIBERTAÇÃO
Não há
maior euforia, numa orquestra, como a dos pratos – tlin! tlin! tlan!!! – quando
se vingam, enfim, do seu longo, do seu forçado silêncio.
DONA GLORINHA NO CIRCO
Dona
Glorinha estava que não podia! Aquele homem que rodava no espaço, cada vez mais
rápido, e preso apenas pelos dentes a uma roldana... Dona Glorinha sentia
doerem-lhe os dentes, não os de agora, os outros... Dona Glorinha não pôde
mais. E bradou, em meio do suspense geral: “Basta, cruel!”
GENOVEVAS E SERAFINAS
Um ser
humano só é ele mesmo enquanto os pais ainda estão discutindo um nome para o
batizar. Até então, é anônimo como um animalzinho sem dono, simples filho da
Natureza e de mais ninguém. Sem laços de parentesco e outras contingências
sociais. E depois, está correndo o risco de lhe darem um desses horrendos nomes
tradicionais de família.
Na minha,
felizmente, deixaram de aparecer, desde a penúltima geração, as Serafinas e
Genovevas. A boa, a querida vovó Genoveva! O seu único defeito era ser tão
antieufônica... Como seria possível a um namorado suspirar um nome desses?!
UM DIÁRIO INTIMO DO FIM DO SÉCULO
TRINTA
Tenho
9 anos. Meu nome é Gravilo. Meu professor só hoje me permitiu uma ida ao Jardim
Botânico, por causa da minha redação sobre a fórmula de Einstein. Elogiou em
aula o meu trabalho porque, disse ele, em vez de dar-lhe uma interpretação,
como fazem todas as crianças, eu me limitei a dizer que aquela simples fórmula
era uma coisa tão absurda e maravilhosa e inacreditável como as lendas
pré-históricas, por exemplo a Lâmpada de Aladino ou a Vida de Napoleão e seu
Cavalo Branco. Por isso começo hoje o meu diário, que eu devia ter começado aos
7 anos. Mas nessa idade a gente só escreve coisas assim: “A Adalgiza caminha
como um saca-rolha” ou “pusemos na Inspetora Geral do Ensino o apelido de Dona
Programática”. Pois lá me fui com outros meninos e meninas que também tenham
merecido menção pública, ao Jardim Botânico, que me pareceu pequeno porque
constava apenas de uma cúpula de vidro. Havia uma fila enorme de turistas e
visitantes domingueiros. Lá dentro não era apenas ar condicionado, era um vento
leve, uma “brisa”, explicou-nos o professor. Uma brisa que agitava os cabelos
da gente e as folhas da árvore. Sim, porque lá dentro só havia uma árvore, a
única árvore do mundo e que se chamava simplesmente “a árvore”, pois não havia
razão para a diferençar de outras. Suas folhas agitavam-se e tinham um cheiro
verde. Não sei se me explico bem. Não importa: este diário é secreto e será
queimado publicamente com outros, de autoria dos meninos da minha idade, quando
atingirmos os 13 anos. Dona Programática nos explicou a necessidade desses
diários porque, “para higiene da alma e preservação do individuo, todos têm
direito a uma vida secreta, ao contrário do que acontecia nos tempos da
Inquisição, da Censura, dos sucessores do Dr. Sigmund Freud e dos
entrevistadores jornalísticos”.
Isto
diz a Dona Programática. Mas o nosso professor de Redação, que não é tão cheio
de coisas, diz que estes nossos diários secretos servem para a gente dizer
besteiras só por escrito em vez de as dizer em voz alta.
Na
próxima vez tratarei de fazer uma boa redação sobre a Árvore para ver se ganho
o prêmio de uma visita ao Zôo – onde está o Cavalo. Andei indagando dos grandes
sobre este novo cavalo e me disseram que não, que ele não era branco. Uma
pena...
MADRIGAL
As
velhinhas bonitas são passas de uva. Havia, não me lembro agora se no País das
Maravilhas, da Alice, ou se na Cidade de Oz, uma velha que morava num sapato...
E nós que moramos em caixas de sapatos!
* * *
("Sapo
Amarelo" – 5ª Edição, Editora Global, São Paulo, SP, 2006)
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