ANTOLOGIA POÉTICA
Quando Eu Morrer...
Quando eu morrer e no frescor da lua
Da casa nova me quedar a sós,
Deixai-me em paz na minha quieta rua...
Nada mais quero com nenhum de
vós!
Quero é ficar com alguns poemas tortos
Que andei tentando endireitar, em vão...
Que lindo a Eternidade, amigos mortos,
Para as torturas lentas da
Expressão!...
Eu levarei comigo as madrugadas,
Pôr de sóis, algum luar, asas em bando,
Mais o rir das primeiras
namoradas...
E um dia a morte há de fitar com espanto
Os fios de vida que eu urdi, cantando,
Na orla negra do seu negro
manto...
Canção da Primavera
Para Érico Veríssimo
Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.
Catavento enlouqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.
Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos,
Dancemos todos até
Não mais saber-se o motivo...
Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!
Canção de Um Dia de Vento
Para Mauricio Rosenblatt
O vento vinha ventando
Pelas cortinas de tule.
As mãos da menina morta
Estão varadas de luz.
No colo, juntos, refulgem
Coração, âncora e cruz...
Nunca a água foi tão pura...
Quem a teria abençoado?
Nunca o pão de cada dia
Teve um gosto mais sagrado.
E o vento vinha ventando
Pelas cortinas de tule...
Menos um lugar na mesa,
Mais um nome na oração,
Da que consigo levara
Cruz, âncora e coração
(E o vento vinha ventando...)
Daquela de cujas penas
Só os anjos saberão!
Canção de Outono
Para Salim Daou
O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida...
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
De carícia a contrapelo...
Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma...
Mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte nenhuma!
Canção da Garoa
Para Telmo Vergara
Em cima do meu telhado,
Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.
O relógio vai bater;
As molas rangem sem fim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.
E chove sem saber por quê...
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin...
Canção Meio Acordada
Laranja! grita o pregoeiro.
Que alto no ar suspensa!
Lua de ouro entre o nevoeiro
Do sono que se esgarçou.
Laranja! grita o pregoeiro.
Laranja que salta e voa.
Laranja que vais rolando
Contra o cristal da manhã!
Mas o cristal da manhã
Fica além dos horizontes...
Tantos montes... tantas pontes...
(De frio soluçam as fontes...)
Porém fiquei, não sei como,
Sob os arcos da manhã.
(Os gatos moles do sono
Rolam laranjas de lã).
* * *
“Antologia Poética” - Seleção e
Apresentação de Walmir Ayala – 3ª edição, Ediouro S. A. / Rio de Janeiro, 1995
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