- PORTA GIRATÓRIA -
ASSOCIAÇÃO DE IMAGENS
Esses concertistas que tocam piano dando
marradas para frente e para o alto fazem lembrar os cientistas loucos e os
monstros dos filmes de horror, cujo compulsório hobby – sabe o Diabo por quê! –
é exatamente tocarem piano...
DAS NOTAS DE UM ECOLOGISTA
Quando
acabarem todos os elefantes, acabará a bondade do mundo.
PESQUISAS
Andam todos os buquinistas do meu Rio
Grande a procurar ansiosamente e amorosamente A divina pastora. O título é um encanto, promete um clima idílico,
de quando o amor existia. Espero que esses incansáveis cavaleiros andantes
libertem um dia a sua dama. Quanto a mim, o meu sonho é que o acaso depare, aos
humanistas que ainda existem na Europa, os livros até agora perdidos do Satyricon de Petronius Arbiter. Indago:
pois não foram encontrados, sem que ninguém os procurasse, os preciosos
manuscritos do Mar Morto? Ou será que os deuses em exílio já não podem
igualmente fazer milagres? O encanto que eu tenho pelo Satyricon, ao contrário do que vocês podem pensar, é também um
sentimento de pureza. O que nos fascina naquele delicioso cronista é a ausência
da noção de pecado, como se estivéssemos ainda no Paraíso.
ASTRONOMIA
Dizem os astrólogos que Saturno é
taciturno. Mas só se foi para rimar... Com seus multicoloridos anéis, ele é,
dentre os seus pobres irmãos do sistema solar, o único planeta que faz bambolê.
INTENÇÕES
Os que andam com segundas intenções não
conseguem enganar ninguém. Está na cara... O perigo mesmo – porque é invisível –
está nos que têm terceiras intenções.
ADJETIVAÇÕES
Era uma mulher de peregrina beleza –
diziam os escritores de outrora a propósito das damas superfinas que costumavam
abundar nos seus romances – e nem se davam conta que só poderia tratar-se de
uma cigana.
BRIC-À-BRAC
Os
pianos de cauda, as sobrecasacas, as caudas dos vestidos de noiva, tudo isso
está sendo contrabandeado para o reino brumoso das lendas. Agora, nem ao menos
a esperança me resta de rever o cometa de Halley, com a sua ondulante cauda de
cavalo celeste – a mais bela, a mais remota recordação da minha vida.
(1954)
MONÓLOGO DO ESPECTADOR
“O teatro dos acontecimentos” – eis aí
uma velha expressão que significa muito mais do que parece. Será que tudo não passa
mesmo de um faz-de-conta?
CRIAÇÃO ÀS AVESSAS
Isso
da desintegração do átomo tem algo de sacrílego. É uma espécie de Criação às
avessas... E depois, rompida uma única malha, não seria de temer que se
desfizesse toda a tessitura?...
FELIZ COINCIDÊNCIA
Tive um amigo, se não me engano chama-se Fagundes,
o qual, sempre que tinha queixa contra alguém, desabafava: “Tomara que morra!” –
Cruzes, Fagundes! Isso é coisa que se diga?! – protestava eu. E ele: - Acha
você que ele vai morrer, só por eu ter dito isso? Se ele morrer, será apenas
uma feliz coincidência...
UMA ESPÉCIE DE CORRIDA
Atravessar de um ano para o outro
parece-nos uma espécie de corrida. Chega-se daquele jeito que bem sabemos, mas
com uma careta de triunfo na face...
AS MÁXIMAS
Tenho à mão as Máximas do nosso Marquês de Maricá. Leio: “Mocidade desbragada,
velhice achacosa”. Discordo e emendo: “Mocidade desbragada, velhice anedótica”.
Pois os velhos que souberam estragar a mocidade, como têm coisas para contar à
gente!
Quanto aos outros, são uns sujeitos tão
chatos agora como deviam ter sido há cinqüenta anos atrás.
* * *
(“Porta
Giratória” – Editora Globo, São Paulo, SP, 1988)
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