- CANÇÕES -
Canção da chuva e do vento
Dança, Velha. Dança. Dança.
Põe um pé. Põe outro pé.
Mais depressa. Mais depressa.
Põe
mais. Pé. Pé.
Upa. Salta. Pula. Agacha.
Mete pé e mete assento.
Que o velho agita, frenético,
O
seu chicote de vento.
Mansinho agora... mansinho
Até de todo caíres...
Que o velho dorme de velho
Sob
os arcos do Arco-Íris.
Canção da janela aberta
Passa nuvem, passa estrela,
Passa
a lua na janela...
Sem mais cuidados na terra,
Preguei
meus olhos no Céu.
E o meu quarto, pela noite
Imensa
e triste navega...
Deito-me ao fundo do barco,
Sob
os silêncios do Céu.
Adeus, Cidade Maldita,
Que
lá se vai o teu Poeta.
Adeus para sempre, Amigos...
Vou
sepultar-me no Céu!
Canção de muito longe
Foi-por-cau-sa-do-bar-quei-ro
E
todas as noites, sob o velho céu arqueado de bugigangas,
A
mesma canção jubilosa se erguia.
A canoooavirou
Quemfez
elavirar? uma voz perguntava.
Os
luares extáticos...
A
noite parada...
Foi por causa do barqueiro,
Que
não soube remar.
Segunda canção de muito longe
Havia um corredor que fazia cotovelo:
Um
mistério encanando com outro mistério, no escuro...
Mas vamos fechar os olhos
E
pensar numa outra cousa...
Vamos ouvir o ruído cantado, o ruído
arrastado das correntes no algibe,
Puxando a água fresca e profunda.
Havia no arco do algibe trepadeiras
trêmulas.
Nós nos debruçávamos à borda, gritando
os nomes uns dos outros,
E lá dentro as palavras ressoavam
fortes, cavernosas como vozes de leões.
Nós éramos quatro, uma prima, dois negrinhos
e eu.
Havia os azulejos reluzentes, o muro do
quintal, que limitava o mundo,
Uma paineira enorme e, sempre e cada vez
mais, os grilos e as estrelas...
Havia todos os ruídos, todas as vozes
daqueles tempos...
As lindas e absurdas cantigas, tia Tula
ralhando os cachorros,
O chiar das chaleiras...
Onde andará agora o pince-nez da tia Tula
Que ela não achava nunca?
A pobre não chegou a terminar a
Toutinegra do Moinho,
Que saía em folhetim no Correio do
Povo!...
A última vez que a vi, ela ia dobrando aquele
corredor escuro.
Ia encolhida, pequenininha, humilde.
Seus passos não faziam ruído.
E
ela nem se voltou para trás!
Canção da ruazinha desconhecida
Ruazinha que eu conheço apenas
Da
esquina onde ela principia...
Ruazinha perdida, perdida...
Ruazinha
onde Marta fia...
Ruazinha em que eu penso às vezes
Como
quem pensa numa outra vida...
E para onde hei de mudar-me, um dia,
Quando
tudo estiver perdido...
Ruazinha da quieta vida...
Tristonha...
tristonha...
Ruazinha onde Marta Fia
e onde Maria, na janela, sonha...
* * *
“CANÇÕES”, Editora Globo, São Paulo,
SP, 2005 – ©1994 by Elena Quintana
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