Antes e depois
Porto
Alegre, antes, era uma grande cidade pequena. Agora, é uma pequena cidade
grande.
Os golfinhos
Dentre
todo esse variado povo natatório, os golfinhos são os aqualoucos do mar.
O imortal amor
Dante
exagerou: Paolo e Francesca não poderiam sofrer tanto assim, pois mesmo no
Inferno continuavam juntos. Ou quem sabe se não seria exatamente este o
castigo? Eternamente juntos!
Isolacionistas?
Nesses
desenhos de crianças – vocês também repararam? – há alguns em que não aparece
aquela costumeira estradinha que leva à porta de suas casas...
Segredos da natureza
Todas
as noites os grilos fritam incessantemente não se sabe o quê. Chega a
madrugada, destampa o panelão: a coisa esfria.
Trova
Tu me disseste que sim,
Mas teu infiel coração
De um lado a outro a bater
Está
dizendo que não...
E agora?
Há
críticos que, em vez de me julgarem pelo que sou, julgam-me pelo que eu não
sou.
É
como quem olhasse um pessegueiro e dissesse: “Mas isso não é um trator!”
713.789
O
bom das segundas-feiras, do primeiro de cada mês e do Primeiro do Ano é que nos
dão a ilusão de que a vida se renova... Que seria de nós se a folhinha
estivesse marcando hoje o dia 713.789 da Era Cristã?
O vento
O
vento gosta é de cantar: quem faz uma letra para a canção do vento?
Turismo
Aasverus:
o turista perfeito.
Mobilização
Eu
olho, no papel, letra após letra, esta linha avançando. Cada letra vai surgindo
do nada – ou do outro mundo – como almas urgentemente convocadas.
E
cada letra é um recruta atônito. Ignora a causa da mobilização desse exército
fantasma.
“Para
onde vamos?”, cada qual pergunta-se.
Ah!
meu bobo b, meu hirto h, meus efes e erres – todos vocês enfim
–, exultem-se e consolem-se com o seu próprio comandante.
Pois
eu juro que agora mesmo o ouvi dizer, bem baixinho, enquanto cofiava as suas
invisíveis barbas metafísicas: “Que bela marcha! Mas à conquista do quê?”
Completude
Olha
essas antigas estátuas mutiladas! São tanto mais belas quanto mais lhes falta.
Isto é, quanto mais devem à tua imaginação...
Atividades invisíveis
Os
anjos deslizam em invisíveis escadas rolantes.
Os
demônios pedalam bicicletas invisíveis.
E
só sabemos da sua presença por uma leve aragem na face.
Ou
por uma dessas ventanias súbitas que arrepanham as saias, que nos enchem os
olhos de poeira e viram os guarda-chuvas pelo avesso.
Interpretações
“Poeta
de amplo espectro, como se diz nas bulas farmacêuticas”. Assim se expressou um
dia a respeito deste escriba o seu cúmplice em poesia e colendo crítico
Guilhermino César. O que bastou para que alguém me interpelasse: “Como é? Ele
está te chamando de fantasma?”
E,
como todo o mundo tem um grão de loucura – expressão da Bíblia ou de
Shakespeare, creio eu, pois o que não está na Bíblia está em Shakespeare, ou
vice-versa –, Gustavo Corção, em bela crítica a meu livro Poesias, fez algumas considerações sobre a natureza específica de
meu respectivo grão de loucura. Ora, por certos motivos, o revisor achou eu devia
ser engano e emendou para “grau de loucura”. E foi assim que saiu na circunspecta
quarta página do Correio do Povo.
E
vai daí, nova interpelação amiga: “Mario, achei muito deselegante aquela
referência do Corção à tua estadia na clínica Pinel”.
Não,
leitor, não sejas romântico! Eu, como todo intelectual que se preze, estava apenas
atacado de stress – coisa passageira
e até necessária como o sarampo, nestes nossos conturbados tempos.
E
sabes do melhor? Até vais ficar com inveja, tu que vives no meio de
mascarados... Lá na Pinel a gente podia rir uns dos outros!
*
* *
“Da
Preguiça como Método de Trabalho” – 2ª edição 2007, 1ª reimpressão 2009,
Editora Globo S. A., SP
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