Duas laranjas
Um copo dágua ao lado
As moedinhas da luz em torno
Perto
A folhinha marca 13 de janeiro
Na porta
a varredeira varre o cisco
varre o cisco
varre o cisco
Na pia
a menininha escova os dentes
escova os dentes
escova os dentes
No arroio
a lavadeira bate roupa
bate roupa
bate roupa
até que enfim
se desenrola
toda a corda
e o mundo gira imóvel como um pião!
A beleza dos versos impressos em livro
– serena beleza com algo de eternidade –
Antes que venha conturbá-los a voz das declamadoras.
Ali repousam eles, misteriosos cântaros,
Nas suas frágeis prateleiras de vidro...
Ali repousam eles, imóveis e silenciosos.
Mas não mudos e iguais como esses mortos em suas tumbas.
Têm, cada um, um timbre diverso de silêncio...
Só tua alma distingue seus diferentes passos,
Quando o único rumor em teu quarto
É quando voltas, de alma suspensa – mais uma página
Do livro... Mas um verso fere o teu peito como a espada de um anjo.
E ficas, como se tivesses feito, sem querer, um milagre...
Oh! que revoada, que revoada de asas!
Nítido, no espelho,
Meu quarto projeta-se
Em parte nenhuma...
Um dia estarei,
Tão nítido assim,
Em parte nenhuma?
No retrato que me faço
– traço a traço –
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco
– pouco a pouco –
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Terminado por um louco!
Morreu ontem.
Portanto, o seu retrato está completo.
A longa vida – sabe Deus com que trabalho –
deixou-nos, na lembrança,
por final,
em companhia de um velhinho suave...
Mas um velhinho suave como os couros gastos,
as madeiras polidas pelo uso,
como os seixos rolados
– suave e rijo!
Sua voz grave e trêmula tinha o som do tempo
e nós sempre nos espantávamos de a estar ouvindo
porque era como se alguém tangesse o silêncio.
O corpo se esfez na terra:
o sopro que Deus lhe dera
está livre como o vento.
Nunca pensou que pudesse
andar por tantas lonjuras
como anda o pensamento.
Mas não era de turismos...
Voltou, ficou por ali...
leu o resto de uma página
que deixara interrompida...
Sentou no topo da escada.
Sentou à beira da estrada.
Morte – que grande estopada!
Até que um Anjo Glorioso
passou
olhou
não viu nada
...um anjo tão esplendente
que a própria luz o cegava!
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
– para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Um elevador lento e de ferragens Belle Époque
me leva ao antepenúltimo andar do Céu,
cheio de espelhos baços e de poltronas como o hall
de qualquer um antigo Grande Hotel,
mas deserto, deliciosamente deserto
de jornais falados e outros fantasmas da TV,
pois só se vê, ali, o que ali se vê
e só se escuta mesmo o que está bem perto:
é um mundo nosso, de tocar com os dedos,
não este – onde a gente nunca está, ao certo,
no lugar em que está o próprio corpo
mas noutra parte, sempre do lado de lá!
não, não este mundo – onde um perfil é paralelo ao outro
e onde nenhum olhar jamais se encontrará...
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