Nosso Senhor, sobre os telhados, Nosso Senhor, com alamares de ouro, tange subitamente os sinofones. Lili espreguiça-se na cama. Estremece no teto um reflexo dágua. Lili tapa os ouvidos.
Mas o coraçãozinho vibra como uma cigarra.
A ciranda rodava no meio do mundo,
No meio do mundo a ciranda rodava.
E quando a ciranda parava um segundo,
Um grilo, sozinho no mundo, cantava...
Dali a três quadras o mundo acabava.
Dali a três quadras, num valo profundo...
Bem junto com a rua o mundo acabava.
Rodava a ciranda no meio do mundo...
E Nosso Senhor era ali que morava,
Por trás das estrelas, cuidando o seu mundo...
E quando a ciranda por fim terminava
E o silêncio, em tudo, era mais profundo,
Nosso Senhor esperava... esperava...
Cofiando as suas barbas de Pedro Segundo.
Às vezes, nos dias calmos, apenas se nota uma leve ondulação na relva: são os cavalos do vento que estão pastando.
O auto que passa e a vitrina da esquina travam um duelo de reflexos.
Do quarto próximo, chega a voz irritada da arrumadeira:
- Meu Deus! A gente mal estende a cama e já vem esse cachorro deitar em cima! Salta daí pra fora!
E Lili, muito formalizada:
- Finoca! o cachorro tem nome!
O hipopótamo é um bruto sapatão afogado.
Um elefante caiu do teto.
O gato é preguiçoso como uma segunda-feira.
As pulgas saltam tanto porque também têm pulgas.
Sonhar é acordar-se para dentro.
Os guarda-chuvas perdidos... aonde vão parar os guarda-chuvas perdidos? E os botões que desprenderam? E as pastas de papéis, os estojos de pince-nez, as maletas esquecidas nas gares, as dentaduras postiças, os pacotes de compras, os lenços com pequenas economias, aonde vão parar todos esses objetos heteróclitos e tristes? Não sabes? Vão parar nos anéis de Saturno, são eles que formam, eternamente girando, os estranhos anéis desse planeta misterioso e amigo.
Na porta
a varredeira varre o cisco
varre o cisco
varre o cisco
Na pia
a menininha escova os dentes
escova os dentes
escova os dentes
No arroio
a lavadeira bate roupa
bate roupa
bate roupa
até que enfim
se desenrola
toda a corda
e o mundo gira imóvel
como um pião!
Morava no fundo do poço. E nunca saiu do poço. Costumava tomar sol numa saliência da parede, quando a água chegava até ali. Nas raras vezes em que isto sucedia, ficávamos a olhá-lo impressionados, como se estivéssemos diante do Homem da Máscara de Ferro. Que vida! Era o único bicho da casa que não sabia os nossos nomes, nem das mudanças de cozinheiras, nem o dia dos anos de Lili. Não sabia nem queria saber.
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