ESCREVO DIANTE DA JANELA ABERTA
Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...
Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...
Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!
EU FAÇO VERSOS...
Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos...
Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!
Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos...
Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta dos meus dedos brancos!
“Meu Deus! Mas tu não mudas o programa!”
Protesta a clara voz das Bem-Amadas.
“Que tédio!” o coro dos Amigos clama.
“Mas que vos dar de novo e de imprevisto?”
Digo... e retorço as pobres mãos cansadas:
“Eu sei chorar... Eu sei sofrer... Só isto!”
ESTE SILÊNCIO É FEITO DE AGONIAS
Este silêncio é feito de agonias
E de luas enormes, irreais,
Dessas que espiam pelas gradarias
Nos longos dormitórios de hospitais.
De encontro à Lua, as hirtas galharias
Estão paradas como nos vitrais
E o luar decalca nas paredes frias
Misteriosas janelas fantasmais...
Ó silêncio de quando, em alto mar,
Pálida, vaga aparição lunar,
Como um sonho vem vindo essa Fragata...
Estranha Nau que não demanda os portos!
Com mastros de marfim, velas de prata,
Toda apinhada de meninos mortos...
O DIA ABRIU SEU PÁRA-SOL BORDADO
Para Érico Veríssimo
O dia abriu seu pára-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria,
E estava até um fumo que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.
Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua – a Lua! – em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado...
Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo... Céu é que lhes falta
Pra suportarem a existência rude!
E eles sonham, imóveis, deslumbrados,
Que são dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranqüila de um açude...
* * *
(ANTOLOGIA POÉTICA / MÁRIO QUINTANA - Seleção e Apresentação de Walmir Ayala – 3ª edição, Ediouro S. A. / Rio de Janeiro, 1995)
Nenhum comentário:
Postar um comentário