O ANJO DA ESCADA
Na volta da escada,
Na volta escura da escada.
O Anjo disse o meu nome.
E o meu nome varou de lado a lado o meu peito.
E vinha um rumor distante de vozes clamando clamando...
Deixa-me!
Que tenho a ver com as tuas naus perdidas?
Deixa-me sozinho com os meus pássaros...
com os meus caminhos...
com as minhas nuvens...
VERANICO
Um par de tamanquinhos
Prova o timbre da manhã.
Será o Rei dos Reis,
Com os seus tamanquinhos?
Ei-lo que volta agora zumbindo num trimotor.
Um reflexo joga os seus dados de vidro.
alta
alta
E a minha janela é alta
Como o olhar dos que seguiram o vôo do primeiro balão
Ou como esses poleiros onde cismam imóveis as invisíveis cacatuas de Deus.
CRIPTA
Debaixo da mesa
A negrinha.
Assustada,
Assustada.
Na janela
A lua.
No relógio
O tempo.
No tempo
A casa.
E no porão da casa?
No porão da casa umas estranhas ex-criaturas
[com cabelos de teia-de-aranha e os olhos sem
[luz e todas se esfarelando que nem
[mariposas ai todas se esfarelando mas sempre
[se remexendo eternamente como
[anêmonas fofas no fundo de um poço de um
[poço!
O POEMA DO AMIGO
Estranhamente esverdeado e fosfóreo,
Que de vezes já o encontrei, em escusos bares submarinos,
O meu calado cúmplice!
Teríamos assassinado juntos a mesma datilógrafa?
Encerráramos um anjo do Senhor nalgum escuro calabouço?
Éramos necrófilos
Ou poetas?
E aquele segredo sentava-se ali entre nós todo o
[tempo,
Como um convidado de máscara.
E nós bebíamos lentamente a ver se recordávamos...
E através das vidraças olhávamos os peixes
[maravilhosos e terríveis cujas complicadas formas
[eram tão difíceis de compreender como os nomes
[com que os catalogara Marcus Gregorovius na
[sua monumental Fauna Abyssalis.
OBSESSÃO DO MAR OCEANO
Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama.
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças nas janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su’alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios da beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontraremos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.
SEMPRE
Jamais se saberá com que meticuloso cuidado
Veio o Todo e apagou o vestígio de Tudo
E
Quando nem mais suspiros havia
Ele surgiu de um salto
Vendendo súbitos espanadores de todas as cores!
FUNÇÃO
Varri-me como uma pista.
Frescor de adro, pureza um pouco triste
De página em branco... Mas um bando
De moças enche o recinto de pestanas.
Mas entram inquietos pôneis.
Ridículos.
Ergo os braços, escorre-me o riso pintado
E uma pura pura lágrima
Que estoura como um balão.
(O Aprendiz de Feiticeiro, Editora Globo, SP, 2008, 5ª reimpressão)
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