CIDADEZINHA CHEIA DE GRAÇA
Cidadezinha cheia de graça...
Tão pequenina que até causa dó!
Com seus burricos a pastar na praça...
Sua igrejinha de uma torre só...
Nuvens que venham, nuvens e asas,
Não param nunca, nem um segundo...
E fica a torre, sobre as velhas casas,
Fica cismando como é vasto o mundo!...
Eu que e longe venho perdido,
Sem pouso fixo (a triste sina!)
Ah, quem me dera ter lá nascido!
Lá toda a vida poder morar!
Cidadezinha... Tão pequenina
Que cabe toda num só olhar...
NINGUÉM FOI VER SI ERA OU SI NÃO ERA
Para Ovídio Chaves, ao gosto do mesmo
Ninguém foi ver si era ou si não era.
E isto aconteceu lá no tempo da Era.
Mas, no teu quarto havia, mesmo, uma Chymera.
De bronze? De verdade? Ora! Que importa?
Foi quando Quem Será bateu à tua porta.
“Entre, Senhor, que eu já estava à sua espera...”
(Naquele tempo, amigo, a tua vida era
Como uma pobre borboleta morta!)
E Quem Será cumprimentou, falou
De coisas e de coisas e de coisas,
Bonitas umas, tristes outras como loisas...
E todo o tempo em que ele nos falou,
A Chymera a cismar: “Como é que Deus deixou
Haver, por trás do Sonho, tantas, tantas coisas?”
DEVE HAVER TANTA COISA DESABADA
Para Ovídio Chaves
Deve haver tanta coisa desabada
Lá dentro... Mas não sei... É bom ficar
Aqui, bebendo um chope no meu bar...
E tu, deixa-me em paz, Alma Penada!
Não quero ouvir essa interior balada...
Saudade... amor... cantigas de ninar...
Sei que lá dentro apenas sopra um ar
De morte... Não, não sei! Não sei mais nada!...
Manchas de sangue inda por lá ficaram,
Em cada sala em que me assassinaram...
Pra que lembrar essa medonha história?
Eis-me aqui, recomposto, sem um ai.
Sou o meu próprio Frankenstein – olhai!
O belo monstro ingênuo e sem memória...
SOBRE A COBERTA O LÍVIDO MARFIM
Sobre a coberta o lívido marfim
Dos meus dedos compridos, amarelos...
Fora, um realejo toca para mim
Valsas antigas, velhos ritornelos.
E esquecido que vou morrer enfim,
Eu me distraio a construir castelos...
Tão altos sempre... cada vez mais belos!...
Nem D. Quixote teve morte assim...
Mas que ouço? Quem será que está chorando?
Se soubésseis o quanto isto me enfada!
... E eu fico a olhar o céu pela janela...
Minh’alma louca há de sair cantando
Naquela nuvem que lá está parada
E mais parece um lindo barco a vela!...
* * *
(A Rua dos Cataventos, Editora da Universidade/UFRGS, Porto Alegre 1992)
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