PINO
Doze touros
Arrastam a pedra terrível.
Doze touros.
Os músculos vibram
Como cordas.
Nenhuma rosa
Nos cornos sonoros.
Nenhuma.
Nas torres que ficam acima das nuvens
Exausto de azul
Boceja o Rei de Ouros.
O DIA
O dia de lábios escorrendo luz
O dia está na metade da laranja
O dia sentado nu
Nem sente os pesados besouros
Nem repara que espécie de ser... ou deus... ou animal
é esse que passa no frêmito da hora
Espiando o brotar dos seios.
DE REPENTE
Olho-te espantado:
Tu és uma Estrela do Mar.
Um minério estranho.
Não sei...
No entanto,
O livro que eu lesse,
O livro na mão.
Era sempre o teu seio!
Tu estavas no morno da grama,
Na polpa saborosa do pão...
Mas agora encheram-se de sombra os cântaros
E só o meu cavalo pasta na solidão.
MUNDO
E eis que naquele dia a folhinha marcava uma data em caracteres desconhecidos,
Uma data ilegível e maravilhosa.
Quem viria bater à minha porta?
Ai, agora era um outro dançar, outros os sonhos e incertezas,
Outro amar sob estranhos zodíacos...
Outro...
E o terror de construir mitologias novas!
JAZZ
Deixa subirem os sons agudos, os sons estrídulos do jazz no ar.
Deixa subirem: são repuxos: caem...
Apenas ficarão os arroios correndo sem rumor dentro da noite.
E junto a cada arroio, nos campos ermos,
Um Anjo de Pedra estará postado.
O Anjo de Pedra que está sempre imóvel por detrás de todas as coisas -
Em meio aos salões de baile, entre o fragor das batalhas,
nos comícios das praças públicas –
E em cujos olhos sem pupilas, brancos e parados,
Nada no mundo se reflete.
O POEMA
Um poema como um gole d’água bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.
FLORESTA
Dédalo de dedos.
Lanterninhas súbitas.
Escutam as orelhas-de-pau. Ssssio...
O gigante deitado
Se virou pro outro lado.
A velha Carabô
Parou de pentear os cabelos.
E o Vencido... são as duas mãos e a cabeça do Vencido que se arrastam.
Que se arrastam penosamente para o poço da Lua,
Para o frescor da Lua, para o leite da Lua, para a lua da Lua!
(Filha, onde teria ficado o resto do corpo?)
CASAS
Para Cecília Meireles
A casa de Herédia, com grandes sonetos dependurados como panóplias
E escadarias de terceiro ato,
A casa de Rimbaud, com portas súbitas e enganosos
corredores, casa-diligência-navio-aeronave-pano
onde só não se perdem os sonâmbulos e os copos de dados,
A casa de Apollinaire, cheia de reis de França e
valetes e damas dos quatro naipes e onde a
gente quebra admiráveis vasos barrocos correndo
atrás de pastorinhas do século XVIII,
A casa de William Blake, onde é perigoso a gente entrar,
Porque pode nunca mais sair de lá,
A casa de Cecília, que fica sempre noutra parte...
E a casa de João-José, que fica no fundo de um
poço, e que não é propriamente casa, mas uma
sala-de-espera no fundo do poço.
* * *
“O Aprendiz de Feiticeiro” – Editora Globo, SP – 2ª Edição 2005, 5ª Reimpressão, 2008
Crédito: Ilustração obtida no site “COLORIR DESENHOS”
- Editei, redimensionei e colori (Evandro) -
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