Depois que fez a máquina dos mundos, Nosso Senhor espantou-se muito: "Ué! Será que eu consegui descobrir o moto-contínuo?"
PRESSA & CONTEMPLAÇÃO
Li há tempos que num desses exóticos países do Oriente... O adjetivo "exótico" explica que a coisa se passou em fins do século passado. Pois aconteceu que no referido país um engenheiro inglês queria convencer o respectivo xá, ou qualquer título que tivesse, que, em nome do progresso, era urgente a construção de uma estrada de ferro. E findou assim seu arrazoado:
A estrada de ferro fará com que, em vez de trinta dias a lombo de camelo, a viagem da capital à fronteira seja apenas de um dia.
- Mas – objetou o soberano – o que é que vamos fazer dos vinte e nove dias que sobram?
É o único exemplo que conheço da propalada sabedoria oriental. O que tem feito o Oriente, de Pedro o Grande a Mao Tsé Tung, é macaquear o Ocidente, na indumentária, nos costumes, nos processos políticos, contribuindo assim, como colaboracionistas para o imperialismo ocidental.
ESSA NÃO!
Lili teve conhecimento dos antípodas, na escola. Logo que chegou em casa, começou a deitar sabença pra cima da cozinheira. Falou, falou, e, como visse que Sia Hortência não estava manjando nada, ergueu no ar seu dedinho explicativo:
- Imagine só que quando aqui é meio-dia lá na China é meia-noite!
-Credo! Eu é que não morava numa terra assim...
- Mas por que, Sia Hortência?
- Uma terra onde o dia é de noite... Cruzes!
MÁGICA & MISTÉRIO
Há espíritos simplistas, que acham que tem de haver uma explicação para tudo.
E que, explicada a coisa, foi-se o mistério!
Principalmente esses que insistem em desmontar os poemas, como se quisessem desmascarar o poeta.
Eles me fazem lembrar aquelas pessoas "espertas" de certa cidadezinha do interior, as quais, indo assistir à função de um mágico, puseram-se a bradar no meio do espetáculo:
"Isso é truque! Não pega! É truque! É truque!"
Mas, para alívio das almas compassivas, acrescento que o pobre mágico sempre conseguiu escapar com vida por trás dos bastidores...
O VIAJANTE ÀS AVESSAS
... até que o condutor me bateu no ombro: "Fim da linha, seu moço".
Desci. E fui andando, meio desconfiado.
Praças com bancos de madeira, curvos e verdes como as árvores. O pé-de-moleque do calçamento irregular da rua. Os lampiões de esquina.
O quiosque (um quiosque!) de revistas, cigarros, balas, miudezas.
Mas fui andando, andando – como é que eu sabia o caminho? – e finalmente entrei na velha copa de azulejos, lá onde Tia Tula já estava, como sempre, servindo o gostoso café com leite. Entreparou e disse:
- Mas por onde terá andado esse menino?!
Aquele seu jeito, tão dela, de ralhar na terceira pessoa...
E, como eu ainda estivesse com um ar ausente: - Meu Deus, em que será que esse menino pensa tanto?
E acrescentou, baixinho:
- Até parece um velho de sessenta anos!
FC
Um dos motivos que me fazem acreditar em nossa origem extraterrestre é que o homem é o único animal que aprecia olhar os incêndios.
FIM
E chegará um tempo em que os militares inventarão um projétil tão perfeito, mas tão perfeito mesmo, que dará a volta ao mundo e os pegará por trás.
DO IMPOSSÍVEL CONVÍVIO
O mais trágico dessas reuniões sociais é que ela são compostas unicamente de terceiros.
MAS SEJA LÁ COMO FOR
Decifrar palavras cruzadas é uma forma tranqüila de desespero.
FATALIDADE
O que mais enfurece o vento são esses poetas inveterados que o fazem rimar com lamento.
COISAS INCRÍVEIS NO CÉU E NA TERRA
De uma feita, estava eu sentado sozinho num banco da Praça da Alfândega quando começaram a acontecer coisas incríveis no céu, lá para as bandas da Casa de Correção: havia uns tons de chá que se foram avinhando e se transformaram nuns roxos de insuportável beleza. Insuportável, porque o sentimento de beleza tem de ser compartilhado. Quando me levantei, depois de findo o espetáculo, havia umas moças conhecidas, paradas à esquina da Rua da Ladeira.
- Que crepúsculo fez hoje! – disse-lhes eu, ansioso de comunicação.
- Não, não reparamos em nada – respondeu uma delas. –Nós estávamos aqui esperando o Cezimbra.
E depois ainda dizem que as mulheres não têm senso de abstração...
("Na Volta da Esquina", Editora Globo, Porto Alegre, 1979)
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