Oh! aquele menininho que dizia
"Fessora, eu posso ir lá fora?"
Mas apenas ficava um momento
Bebendo o vento azul...
Agora não preciso pedir licença a ninguém.
Mesmo porque não existe paisagem lá fora:
Somente cimento.
O vento não mais me fareja a face como um cão amigo...
Mas o azul irreversível persiste em meus olhos.
DEVE HAVER TANTA COISA DESABADA...
Deve haver tanta coisa desabada
Lá dentro... Mas não sei... É bom ficar
Aqui, bebendo um chope no meu bar...
E tu, deixa-me em paz, Alma Penada!
Não quero ouvir essa interior balada...
Saudade... amor... cantigas de ninar...
Sei que lá dentro apenas sopra um ar
De morte... Não, não sei! não sei mais nada!
Manchas de sangue inda por lá ficaram,
Em cada sala em que me assassinaram...
Pra que lembrar essa medonha história?
Eis-me aqui, recomposto, sem um ai.
Sou o meu próprio Frankenstein – olhai!
O belo monstro ingênuo e sem memória...
A OFERENDA
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos...
Trago-te estas mãos vazias
Que vão tomando a forma do teu seio.
CANÇÃO DO PRIMEIRO DO ANO
Para Lila Ripoli
Anjos varriam morcegos
Até jogá-los no mar.
Outros pintavam de azul,
De azul e de verde-mar,
Vassouras de feiticeiras,
Desbotadas tabuletas,
Velhos letreiros de bar.
Era uma carta amorosa?
Ou uma rosa que abrira?
Mas a mão correra ansiosa
- Ó sinos, mais devagar! –
À janela azul e rosa,
Abrindo-a de par em par.
Ó banho da luz, tão puro,
Na paisagem familiar:
Meu chão, meu poste, meu muro,
Meu telhado e a minha nuvem,
Tudo bem no seu lugar.
E os sinos dançam no ar.
De casa a casa, os beirais,
-Para lá e para cá –
Trocam recados de asas,
Riscando sustos no ar.
Silêncios. Sinos. Apelos. Sinos.
E sinos. Sinos. E sinos. Sinos.
Pregoeiros. Sinos. Risadas. Sinos.
E levada pelos sinos.
Toda ventando de sinos,
Dança a cidade no ar!
ALMA PERDIDA
Depois que é corpo arremessado sobre o cais do sono
Quem poderá dizer o que é feito da sua alma milenária? Acaso
Ajunta-se às demais no primitivo abandono do mundo
Acossadas em grutas
Em profundas florestas
Onde se desenrolam imensamente as serpentes
E arde em silenciosa brasa o olhar fixo das feras?
Ou prostra-se ante os Deuses bárbaros
Com seus látegos de raios
Os seus pés de pedras imóveis e pesadas como montanhas?
Ah! leva então muitos e muitos séculos até que a madrugada
Feita do cricrilar dos derradeiros grilos
Das cabeleiras úmidas e pendidas dos salsos
Até que a mão da madrugada
Afague
Suavemente as feições do adormecido à deriva...
Sim! À noite, as almas deste mundo vagam em alcatéias como lobos,
O medo as traz unidas e ferozes
E só uma ou outra – a minha? – às vezes, solitária, fica...
- Olha:
Aquele negro, aquele enorme cão uivando para a Lua!
(Nova Antologia Poética, Editora Codecri, RJ, 1981)
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