Blog criado no dia 15 de janeiro de 2008
O QUE HÁ NESTE BLOG?
Neste blog encontraremos esquinas, relógios, anjos e telhados. Nele haverá escadas e degraus, canções, ruas e ruazinhas, rãs, sapos, lampiões e grilos. Muitas vezes surgirão gatos, solidão, mortos e defuntos, pássaros, livros, noites e silêncios, ventos, reticências e fantasmas. E poesia, quando o Poeta abrir a sua alma e deixar que do mais íntimo do seu ser, brote em abundância todos os sentimentos que os comuns mortais escondem ou dissimulam por medo de se mostrarem como são. Então ele falará de velhos casarões, de calçadas, janelas, armários, jardins, luar e muros floridos. O Poeta contará historias da cidade que ama, de espelhos, de quartos, bondes e sapatos. De brinquedos, barcos, arroios, cataventos e guarda-chuvas. E de seus baús resgatará os retratos das princesas e das amadas, numa ciranda infindável de doces e ternas reminiscências que nos encantam e comovem enquanto brinca com suas girândolas. E a homenagem singela de um admirador ao Poeta inigualável, sempre externando candura e encantamento enquanto nos revela em plenitude a ternura de seus poemas.
11 fevereiro 2008
- XLI -
E quando se aproximou a hora
E quando se aproximou a hora, o anjo da Encarnação perguntou-lhe:
- Que queres ser na face da Terra?
- Um polígono regular estrelado.
- O quê?!
Um polígono regular estrelado – repetiu imperturbavelmente a alma do nasciturno.
“Mais um...” – pensou o Anjo. Mas, como os anjos e os poetas são os únicos que não riem dos loucos, limitou-se a objetar:
- E por que não um poliedro? Vais viver num mundo de três dimensões e bem sabes que um polígono apenas tem duas. Lá só existirás na face do papel... e não propriamente na face da Terra.
- Por isso mesmo.
O Anjo desta vez não compreendeu muito bem e retirou-se, dando de asas.
E foi assim que, quando chegou a hora, veio ao mundo mais um louco. E um “louco simétrico”.
Chamou-se, entre os homens, Edgar Allan Poe.
Luz por dentro
Mas há uma beleza interior, de dentro para fora, a transluzir de certas avozinhas trêmulas, de certos velhos nodosos e graves como troncos. De que será ela feita, que nem notamos como a erosão dos anos os terá deformado. Deviam ser caricaturas mas não fazem rir, uns aleijões mas não causam pena. O mesmo não nos acontece ante o penoso espetáculo de um animal velho. Eu gostaria de acreditar que essa inexplicável beleza dos velhos talvez fosse a prova da existência da alma.
As primaveras
Os versos de Casimiro são tão nossos que gostar deles é um sinal de autenticidade... é, mesmo, como beber água da fonte na concha das mãos... E como ele ainda está entre nós – tão vivo – nos melhores e nos piores momentos da poesia popular!
Do ideal
As lagartas não podem acreditar na lenda das borboletas – tão antiga entre o seu rastejante e esforçado povo... mas sua felicidade consiste em relembrar, às vezes, o absurdo e maravilha deste velho sonho: o de se transformarem, um dia, em borboletas!
Vozes da Natureza
Lili chamava o sapo de bicho-nenê. Ótima sugestão para os pais novatos: é só imaginarem que estão ouvindo, não o choro chinfrim do pimpolho, mas a velha, a primordial canção da saparia às estrelas. E não foi sempre tão gostosa, mesmo, essa manha sem fim dos sapos no banhado?
Ouçam, pois, ouçam todos, com o seu melhor ouvido, o nenê-bicho, que é apenas uma variante do bicho-nenê. Ouçam-no todos os que se têm por amantes da Natureza.
(Mas cá entre nós e entre parênteses: confesso que choro de criança me provoca o complexo de Herodes...)
Estas notas
Vagas notas esparsas... Leitores há que gostam disso. E até desconfio que, para alguns desses leitores de que tanto gosto, os livros deveriam ser compostos apenas de entrelinhas.
(“Na Volta da Esquina” – Ed. Globo, Porto Alegre, 1979)
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