- CADERNO H -
MAS TUDO É NOVO DEBAIXO DO SOL!
Resmungam
os velhos: – “Não há nada de novo debaixo do sol” – e nem se lembram dos que,
neste momento, estão recriando o mundo: os poetas, os artistas, os
recém-nascidos...
DA ALMA
Uma
alma sem mistério nem seria alma... Da mesma forma que um Deus compreensível
não seria Deus.
TEORIA DO ESQUECIMENTO
A taça do Rei de Tule
Dorme no fundo das ondas.
Ele agora tem um bule:
Lisinho,
quente, redondo...
PREGUIÇA
Certa vez abalancei-me a um trabalho
intitulado “Preguiça”. Constava do título e duas belas colunas em branco, com a
minha assinatura no fim. Infelizmente não foi aceito pelo supercilioso
coordenador da página literária.
Já viram desconfiança igual?
Censurar
uma página em branco é o cúmulo da censura.
TIC-TAC
Mera
ilusão auditiva graças à qual a gente ouve sempre “tic-tac” e nunca
“tac-tic”... Depois disso, como acreditar nos relógios? Ou na gente?
PARÊNTESES
Conversa
de velho é cheia de parênteses e esses parênteses são cheios de parentes...
O AMIGO
Amigo
é a criatura que escuta todas as nossas coisas sem aquela cara que parece estar
dizendo: – E eu com isso?
A BORBOLETA
Cada
vez que o poeta cria uma borboleta, o leitor exclama: “Olha uma borboleta!” O
crítico ajusta os nasóculos e, ante aquele pedaço esvoaçante de vida, murmura: – Ah! sim, um lepidóptero...
DIÁLOGO INÚTIL
–
Mas por que tu não fazes um poema de amor?
–
Todos os poemas são de amor.
DIÁLOGO CRÍTICO
–
Mas por que falas tanto da infância em teus poemas?
–
Porque eu nunca tive infância.
A DIFERENÇA
O
que eles chamam de nossos defeitos é o que nós temos de diferente deles.
Cultivemo-los pois, com o maior carinho – esses nossos benditos defeitos.
TRISTE REFLEXÃO PARA MÃES SOLTEIRAS
Os
filhos são um subproduto do amor.
DISTÂNCIA
Essas
distâncias astronômicas não são tão grandes assim: basta estenderes o braço e
tocar no ombro do teu vizinho.
DA INFINITA SOLIDÃO
Mas
só Deus – que é único, que não tem par – poderia dizer o que é a solidão.
CÂNTICO DOS CÂNTICOS
Vamos
compor, amada, um Cântico dos Cânticos: o verdadeiro Cântico dos Cânticos: – tu
Te louvarás unicamente a Ti e eu Me louvarei unicamente a Mim.
VERSO AVULSO
Suavidade
do musgo nos muros gretados...
O AUTOR INVISÍVEL
Certa
vez, quando se realizava um garden-party num dos castelos da Inglaterra,
compareceu um distinto ancião, muito bem-posto e apoiado na sua bengala. E,
para constrangimento de todos, olhava detidamente na cara de cada um, como se
se tratasse de um bicho ou de uma coisa. E como alguém indagasse quem era,
respondeu o anfitrião que se tratava do romancista Sir Bulver-Lytton, já
completamente gagá e que se considerava invisível.
Gagá?
Mas o que ele estava realizando era o ideal de todo verdadeiro romancista: ser
isento de quaisquer inibições, de respeitos de qualquer ordem, e ver portanto imparcialmente
o mundo. Não embelezar, não reformar, não polemizar: – ver!
*
* *
“Caderno
H” – Editora Globo, 2ª Edição, Porto Alegre, 1977
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