"As pessoas sem imaginação podem ter tido as mais imprevistas aventuras, podem ter visitado as terras mais estranhas. Nada lhes ficou. Nada lhes sobrou. Uma vida não basta apenas ser vivida: também precisa ser sonhada."

Para a Paula, o Pedrinho e a Soraia
Dedicatória em "LILI INVENTA O MUNDO", Editora Mercado Aberto, 5ª Edição, Porto Alegre, 1985

MÁRIO QUINTANA nasceu em Alegrete, RS, em 30 de julho de 1906 e faleceu em Porto Alegre, RS, em 5 de maio de 1994. Durante toda a sua vida foi poeta. Seu jeito de menino matreiro acompanhou-o por todos os seus oitenta e oito anos pródigos de belas crônicas, versos, frases, pensamentos e poesias. Criou personagens - como o Anjo Malaquias - e fez-nos rir, chorar e nos emocionar. Este é o Quintana reverenciado neste Blog: o nosso anjo-menino, o nosso maior poeta.


* * *

Blog criado no dia 15 de janeiro de 2008

Fazia tempo que eu pensava em criar um blog dedicado a Mário Quintana, poeta pelo qual guardo venerável respeito e admiração. Entretanto, se recorrermos aos sites de busca na internet, encontraremos dezenas de páginas que homenageiam este personagem tão querido de todos nós, cada um com o seu jeito mas todos voltados para a transcrição de sua obra magnífica e de sua biografia inigualável. O meu seria, apenas, mais um, entre tantos e, certamente, muito modesto. Relutei muito. Hoje, dia 15 de janeiro de 2008, enfim, decidi aceitar o desafio que fiz a mim mesmo e eis aqui "SAPATOS E CATAVENTOS", com o qual presto a minha gratidão a Mário Quintana por ter vivido entre nós. Para mim não basta ler os seus poemas, suas crônicas e citações nos livros de minha biblioteca. Acho que transcrevendo-os eles permanecem mais vivos e palpitantes, dando-me a oportunidade de compartilhar com outras pessoas o prazer, a alegria e a emoção que eles transmitem. Assim, meu querido Poeta, este blog é teu. É a única coisa que posso fazer para te dizer "obrigado".

O QUE HÁ NESTE BLOG?

Neste blog encontraremos esquinas, relógios, anjos e telhados. Nele haverá escadas e degraus, canções, ruas e ruazinhas, rãs, sapos, lampiões e grilos. Muitas vezes surgirão gatos, solidão, mortos e defuntos, pássaros, livros, noites e silêncios, ventos, reticências e fantasmas. E poesia, quando o Poeta abrir a sua alma e deixar que do mais íntimo do seu ser, brote em abundância todos os sentimentos que os comuns mortais escondem ou dissimulam por medo de se mostrarem como são. Então ele falará de velhos casarões, de calçadas, janelas, armários, jardins, luar e muros floridos. O Poeta contará historias da cidade que ama, de espelhos, de quartos, bondes e sapatos. De brinquedos, barcos, arroios, cataventos e guarda-chuvas. E de seus baús resgatará os retratos das princesas e das amadas, numa ciranda infindável de doces e ternas reminiscências que nos encantam e comovem enquanto brinca com suas girândolas. E a homenagem singela de um admirador ao Poeta inigualável, sempre externando candura e encantamento enquanto nos revela em plenitude a ternura de seus poemas.

17 agosto 2013

- CXXVII -




TROVA
Estes seios que te vieram
Decerto são meus filhinhos...
Maria, que gosto de vê-los
Cada dia maiorzinhos!
OUTONO 
O outono de azulejo e porcelana
Chegou! Minha janela é um céu aberto.
E esse estado de graça quotidiana
Ninguém o tem sob outros céus, decerto!
Agora, tudo transluz... tanto mais perto
Quanto mais nossa vista se alontana
E o morro, além, no seu perfil tão certo,
Até parece em plena via urbana!
Tuas tristezas... o que é feito delas?
Tombaram, como as folhas amarelas
Sobre os tanques azuis... Que desaponto!
E agora, esse cartaz na alma da gente:
ADIADOS OS SUICÍDIOS... Simplesmente
Porque é abril em Porto Alegre... E pronto!
HISTÓRIA BURGUESA
Era à luz dos lampiões de querosene
Que a gente fazia os deveres escolares.
Nas paredes, São Jorge e o seu cavalo branco
Nos sugeriam – que digo? – nos impunham mais graves deveres...
E ninguém notava.
Depois, a lâmpada elétrica e, nas paredes
O Marechal Deodoro a proclamar sempre e sempre a República
– e ninguém notava.
Enquanto isso, em todos os centros-de-mesa de todas as casas burguesas
Ostentava-se a grande moda das flores artificiais
– Todo o mundo notava.
(O que é a natureza! – dizia Dona Glorinha – até parecem verdadeiras!
Até que um dia um Papa decretou
que São Jorge jamais havia existido.
Agora, apenas o seu cavalo branco ainda corre solto por aí...
(Mas ninguém, ninguém se atreve a montar num cavalo fantasma).
O DESPERTAR DOS AMANTES

Quem teria deixado,
Enquanto nos amávamos,
O tarro de luz à nossa porta?
O DESPERTAR DO EGOTISTA 

Os pequeninos vendedores de jornais
Gritam por meu nome!
A REDE

Senhor,
Que buscas tu pescar com a rede das estrelas?
TRÊS AMORES 

Três amores... Quem me deu
Tão estranha sorte assim?
Três amores, tenho-os eu
E nenhum me tem a mim!

O VISITANTE MATINAL

Para que nomes? Era azul e voava...

O VISITANTE NOTURNO

Aparecia-me sempre nos pesadelos:
O seu silêncio era aterrorizante!
OUVERTURE

Nosso Senhor
Sobre os telhados,
Nosso Senhor, com alamares de ouro,
Tocou magistralmente os sinofones:
Súbita debandada de asas... O céu gritava de azul!  
AH! ESSES OLHARES...

Ah, esses olhares passeando, incômodas moscas,
Sobre a calma forçada da face dos mortos.
Poupai-me, amigos, tal humilhação
Ou, senão,
Pintai sobre a minha face morta,
De orelha a orelha
Em vermelhão
Um silencioso, um debochativo sorriso de clown...
Aí podereis vir todos encarar-me então,
Curiosos, repugnantes vivos!
* * *
(“Preparativos de Viagem” – 2ª Edição / Ed. Globo, RJ, 1989)

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