NOTÍCIAS DE
BIZÂNCIO
Como
distinguir entre “história” e estória”, eu que sempre acredito em tudo? Eu, o
leitor modelo. Caso contrário, não seria uma ofensa ao poder criador dos
autores? Esse monstrinho foi a última novidade que importamos de Bizâncio, a
qual, aliás, acaba de ser bombardeada com a abolição dos acentos discriminatórios,
conforme a imprensa amplamente noticiou. Bendito bombardeio que um gramático
vigente, no entanto, classificou de “reforminha” e um ex-deputado de
“leizinha”... como se nada significasse a morte fulminante dos escavadores de
cemitério, dos que desenterraram o verbo “aquelar” enquanto voejava em torno,
como um espírito-santo lá deles, o fantasma alado do passarinho “toda”.
DO IMPOSSÍVEL
CONVÍVIO
O
mais trágico dessas reuniões sociais é que elas são compostas unicamente de
terceiros.
DE COMO A
HISTÓRIA SE REPETE
E
eis que ressurge agora o novo homem das Cruzadas, isto é, das palavras
cruzadas...
MAS SEJA LÁ COMO
FOR
Decifrar
palavras cruzadas é uma forma tranqüila de desespero.
ELA
Mas
que haverá com a Lua, que, sempre que a gente a olha, é com um novo espanto?
PÁGINA DE
HISTÓRIA
De
uma História Universal editada no século XXXIII: “Os homens do Século Vinte,
talvez por motivos que só a miséria explicaria, costumavam aglomerar-se
inconfortavelmente em enormes cortiços de cimento. Alguns atribuem o fato a não
se sabe que misterioso pânico ao simples contato da natureza; mas isto é
matéria de ficcionistas, místicos e poetas... O historiador sabe apenas que
chegou a haver, em certas grandes áreas, conjuntos de cortiços erguidos lado a
lado sem o suficiente espaço e arejamento, que poderiam alojar vários milhões
de indivíduos. Era, por assim dizer, uma vida de insetos – mas sem a segurança
que apresentam as habitações construídas por estes”.
SEU VERDADEIRO
CRIME
O
que eles jamais perdoaram a Oscar Wilde é que ele era profundo sem ser chato.
FATALIDADE
O
que mais enfurece o vento são esses poetas inveterados que o fazem rimar com
lamento.
CAMUFLAGEM
A
esperança é um urubu pintado de verde.
SER E NÃO SER
Para
algo existir mesmo – um deus, um bicho, um universo, um anjo... – é preciso que
alguém tenha consciência dele. Ou simplesmente que o tenha inventado.
A ESCRITA
Um
trouxe a mirra, o outro o incenso, o terceiro o ouro.
Incenso
e mirra evaporaram-se... Mas e o ouro?
Os
textos nada dizem quanto à aplicação do ouro!
NA SOLIDÃO DA
NOITE
Os
velhos espelhos adoram ficar no escuro das salas desertas. Porque todo o seu
problema, que até parece humano, é apenas o seguinte: - reflexos? ou reflexões?
A MESTRA E OS
ALUNOS
Dizem
que a História é a mestra da vida. Mas como é que os seus protagonistas
incorrem sempre nos mesmos erros? Não lhes aproveitou em nada o exemplo dos
antecessores reprovados.
É
que lhes acontece o mesmo que com os leitores de novelas policiais: cada qual
sonha com o crime perfeito. O crime que compensa.
PEQUENA TRAGÉDIA
BRASILEIRA
A
Bem-Amada queria devorar o coração do Poeta.
-
Mas, - disse ele – só terás um pedacinho... Porque noventa por cento pertence
aos Editores.
REFINAMENTOS
Escrever
o palavrão pelo palavrão é a modalidade atual da antiga arte pela arte.
*
* *
“Caderno H” –
Editora Globo, 2ª Edição, Porto Alegre, 1977
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