Para Salim Daou
O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida...
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
De carícia a contrapelo...
Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma...
Mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte nenhuma!
CANÇÃO DA NOITE ALTA
Menina está dormindo.
Coração bolindo.
Mãe, por que não fechaste a janela?
É tarde, agora:
Pé ante pé
Vem vindo
O Cavaleiro do Luar.
Na sua fronte de prata
A lua se retrata.
No seu peito
Bate um coração perfeito.
No seu coração
Dorme um leão,
Dorme um leão com uma rosa na boca.
E o príncipe ergue o punhal no ar:
... um grito
aflito...
Louca!
CANÇÃO DO DESENCONTRO NO TERRAÇO
Estavas entre as algas afogada...
A boca dolorosa, olhos pendidos...
Rias como uma louca no terraço!
Perdão! Eu é que ria dentre as algas...
Eu é que ria dentre as algas verdes
Esse riso que têm os desamados.
Mentira! eu lia os extras do cardápio.
Tu deslizavas entre as nuvens altas!
Em cada nuvem pus um coreto de música.
Mandei soltar confete pelo céu azul.
E deitado no meio das lájeas desertas,
Cobri meu rosto com o teu lenço de seda escura.
CANÇÃO DE DOMINGO
Que dança que não se dança?
Que trança não se destrança?
O grito que voou mais alto
Foi um grito de criança.
Que canto que não se canta?
Que reza que não se diz?
Quem ganhou maior esmola
Foi o Mendigo Aprendiz.
O céu estava na rua?
A rua estava no céu?
Mas o olhar mais azul
Foi só ela quem me deu!
* * *
(Canções – em POESIA, Coleção Sagitário, Ed. Globo, Porto Alegre, 1975)
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