O QUE ACONTECE COM AS CRIANÇAS
Aprendi a escrever lendo, da mesma forma que se aprende a falar ouvindo. Naturalmente, quase sem querer, numa espécie de método subliminar. Em meus tempos de criança, era aquela encantação. Lia-se continuamente e avidamente um mundaréu de histórias (e não estórias) principalmente as do Tico-Tico. Mas lia-se corrido, isto é, frase após frase, do princípio ao fim.
Ora, as crianças de hoje não se acostumam a ler corretamente, porque apenas olham as figuras dessas histórias em quadrinhos, cujo “texto” se limita a simples frases interjetivas e assim mesmo muita vez incorretas. No fundo, uma fraseologia de guinchos e uivos, uma subliteratura de homem das cavernas.
Exagerei? Bem feito! Mas se essas crianças, coitadas, nunca adquiriram o hábito da leitura, como saberão um dia escrever?
O QUE ACONTECE COM OS PAIS
Competiria aos pais dessas crianças, não a nós, incutir-lhes o hábito das boas leituras. Ora essa! Mas se eles também não lêem... Vivem eternamente barbiturizados pelas novelas da Televisão.
CARTAZ PARA UMA FEIRA DO LIVRO
Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem.
CUIDADO!
A nossa própria alma apanha-nos em flagrante nos espelhos que olhamos sem querer.
QUANDO ME PERGUNTARAM
Quando me perguntaram por que não aderi a essa história de “estória”, respondo (e não evasivamente) que é simplesmente porque, para mim, tudo é verdade mesmo. Acredito em tudo. Acreditar no que se lê é a única justificativa do que está escrito. Ai do autor que não der essa impressão de verdade! Que é uma história? É um fato – real ou imaginário – narrado por alguém. O contador de histórias não é um contador de lorotas. Ou, para bem frisar a diferença, o contador de histórias não é um contador de estórias. E depois, por que hei de escrever “estória” se eu nunca pronunciei a palavra desse modo? Não sou tão analfabeto assim. Parece incrível que talvez a única sugestão infeliz do mestre João Ribeiro tenha pegado por isso mesmo... Também um dia parece que Eça de Queirós se distraiu e o Conselheiro Acácio, por vingança, lhe soprou esta frase pomposa: “Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia”. Tanto bastou para que lhe erguessem um monumento, com a citada frase perpetuada em bronze! Pobre Eça!...
O mundo é assim.
(“CADERNO H” – Editora Globo, Porto Alegre, 1977)
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