Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequeninho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o home ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas escadas. Pelos elevadores. Pelos cafés. Como era tocante vê-los no “17”! – o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando o peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial!
Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho:
“Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!...”
Dito isto, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho nágua. E a água fez um redemoinho, que foi depois serenando, serenando... até que o peixinho morreu afogado...
Da paginação
Os livros de poemas devem ter margens largas e muitas páginas em branco e suficientes claros nas páginas impressas, para que as crianças possam enchê-los de desenhos – gatos, homens, aviões, casas, chaminés, árvores, luas, pontes, automóveis, cachorros, cavalos, bois, tranças, estrelas – que passarão também a fazer parte dos poemas...
Do inédito
E quando, morto de mesmice, te vier a nostalgia de climas e costumes exóticos, de jornais impressos em misteriosos caracteres, de curiosas beberagens, de roupas de estranho corte e colorido, lembra-te que para alguém nós somos os antípodas: um remoto, inacreditável povo do outro lado do mundo, quase do outro lado da vida – uma gente de se ficar olhando, olhando, pasmado... Nós, os antípodas, somos assim.
Inferno
Em suave andadura de sonho, sob uma infinita série de arco-íris celestiais, anjos me conduziam num palanquim dourado, entre um curioso povo de profetas e virgens, que formavam alas para me ver passar. Mas eu me debruçava inquieto a uma e outra janela: faltava-me alguma coisa. Faltava... Faltavam os meus desafetos. Eu só queria ver a cara deles, ver a cara que eles fariam quando me vissem passar, tirado por anjos, num palanquim de ouro!
(De “Sapato Florido” – “Prosa & Verso”, Ed. Globo, 1978)
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